Sexta-feira, 29 Março

«88:88» por João Miranda

Hesito em escrever esta crítica. Se, por um lado, há ideias com as quais se possa reagir a este filme, por outro lado escrevê-la é, de alguma forma, validá-lo. Dificilmente consigo descrever 88:88 como filme mas, pesquisando na internet, facilmente se encontra o que Isiah Medina quer fazer (até corresponde com o que imaginava): usando a “Nova Estética“, tentar retratar a realidade de uma comunidade canadiana. Até esse ponto ainda cheguei, agora, será que consegue?

Se retirarmos todo o fogo de artifício causado pelo abuso de glitches e (falsa) aleatoriedade, ficamos com pouco mais do que um conjunto de referências incoerentes e pretensiosas, algumas usadas para tentar dar profundidade (mitologia, filosofia), outras credibilidade (política), num exercício tão óbvio e antigo que até Cervantes gozou com ele na introdução do Quixote (troca-se os latinismos por Badiou e está feito). Curioso é que, mesmo se nos focarmos na comunidade que, segundo o realizador, é pobre, ficamos maravilhados com a quantidade de iPhones, tablets, câmeras e gadgets que se passeiam pela imagem. A questão é mesmo essa: não se trata de um filme que quer usar novas estéticas para questionar a imagem, as técnicas, o meio, o apparatus ou algo semelhante, trata-se de obter status social pelo consumo conspícuo. É tão perversa a forma de pensar que a prisão de um amigo ou o vender droga de outro servem também como moeda de troca neste jogo. E sim, Badiou é também apenas um produto que, mais do que entender e aplicar, se deve exibir.

Quanto a essa “nova estética”, será que o glitch é suficiente? Faço minhas as palavras de Nick Srnicek quando diz que esta é uma técnica que rapidamente perde o seu impacto e que, como tal, não é viável. Enquanto via o filme lembrava-me dos cut-ups dos Dada, Gysin e Burroughs, que sempre eram mais interessantes e o resultado mais coerente. Mesmo o realizador parece não confiar na aleatoriedade e procura manipulá-la de forma evidente para obter alguns momentos de mais calma.

O problema não é que isto tenha sido feito. Medina é o rei da quinta dele, parabéns. Mas que escolham isto para mostrar numa competição? Deve haver um milhão de experiências como esta com resultados mais interessantes e menos egoístas. Percebo a vontade de querer adicionar algo semelhante ao programa do festival, mas este não serve outro propósito que não o do status do realizador.

O Melhor: As pessoas que constantemente saíam da sala.
O Pior: Escolher isto para uma competição.


João Miranda

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