Quinta-feira, 18 Abril

«Bella e perduta» por João Miranda

 

Algures na Campânia, na chamada terra dos fogos, um velho palácio setecentista ao abandono encontra em Tomaso, um pastor da zona, um zelador voluntário e sonhador. Ameaçado pela Camorra, que controla a zona, e impedido pela burocracia estatal, persiste, mesmo assim, em limpar o Palácio de Carditello e em tentar abri-lo ao público. Este Quixote italiano era o foco de Bella e Perduta, o novo documentário de Pietro Marcello, mas, ao morrer a meio da produção, o realizador explodiu o filme em personagens e narrativas paralelas e fantásticas, que, para além da sua história, lhe permitem explorar diferentes problemas da zona e da Itália moderna.

Para além das sequências já filmadas com Tomaso, o realizador inventa uma hierarquia de Polichinelos, numa burocracia delirante em estábulos e edifícios degradados, de onde é eleito um de entre eles para contar esta história. Transformando uma cria de búfalo, que Tomaso encontrou, em personagem, consegue explorar através dela a degradação da região, uma zona rural típica que sofreu com as transformações tecnológicas, mercantis e laborais do século XX. Por fim, adiciona Gesuino, uma espécie de poeta ermita, cuja humanidade, com todas as suas falhas, tenta Polichinelo e perverte os seus objetivos iniciais.

Apesar destas ficções que se acumulam sobre o formato documental, Bella e Perduta acaba por ser um filme com ideias conservadoras e pouco brilhantes. A eterna romantização de uma vida mais “natural” que se opõe à “racionalização” moderna que provoca a degradação, não só das zonas rurais dos países mais “desenvolvidos”, como também dos “bons valores”, assume aqui o foco principal, como se pode ver pelo título, uma referência a Verdi que se refere à Itália “bela e perdida” e pelo final de Polichinelo. A história de Tomaso, com as dificuldades que teve de enfrentar, a apropriação estatal do seu sonho ou a presença da Camorra na zona são relegadas para segundo plano, com direito apenas a algumas sequências e muito pouco desenvolvidas.

Perante a dificuldade de uma produção onde a sua personagem principal desaparece, Pietro Marcello conseguiu inventar uma estrutura de uma fantasia e uma originalidade que marcam o filme, mas, como documentário, o filme acaba por espalhar-se ao comprido e servir mal os seus conteúdos. Ficam servidos o cinema e a poesia, mas com que sentido?

O Melhor: A fantasia e a originalidade.
O Pior: A falta para com Tomaso e a sua história; o conservadorismo.


João Miranda

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