Sexta-feira, 29 Março

«Beasts of No Nation» por Jorge Pereira

Idris Elba é o nome que surge em grande destaque no cartaz deste Beasts of No Nation [título inspirado num álbum de Fela Kuti] e é bem provável que possa até ser nomeado ao Oscar de Melhor Ator Secundário, mas é o estreante Abraham Attah, na sua infantilidade e força, que dá a esta primeira produção da Netflix [em termos de longas-metragens], uma verdadeira variação extrema do Oliver Twist de Dickens.

Baseado no romance do nigeriano Uzodinma Iweala, que escreveu a obra ficcional homónima a partir de dados que recolheu para a sua tese em Harvard, aqui acompanhamos a jornada de vida de Agu, um menino que, depois de perder a família, é resgatado/raptado por um grupo de rebeldes que combate na guerra civil do seu país. Embora seja transformando num soldado como forma de sobrevivência, é inegável que o sentido de vingança está igualmente presente, funcionando como o principal motor para a aceitação da sua nova vida.

Assinado por Cary Fukunaga, da muito cinemática série True Detective, Beasts of No Nation é – tal como o recente Rebelle (2012) – mais um estudo de personagens do que da guerra em si. No fundo, temos a personificação dramática da chegada à idade adulta (o dito “coming of age”) de uma criança num país dividido entre fações sem uma ideologia política concreta, vítimas de um seguidismo doutrinal dos seus líderes – os quais, como Idris Elba diz a certa altura, seguem outros líderes.

Por outro lado, e embora não exista particularmente nada de novo na análise (como um todo) das crianças em conflito neste Beasts of No Nation, as suas várias camadas e abordagens – entre o estudo da psique humana (em especial, a implantação de uma ideia), a aplicação física de uma (des)ideologia moral e o didatismo jornalístico -, dão-lhe suficiente força para que a fita sobreviva por si só.

Para além disso, nunca são esquecidos os elementos espirituais do misticismo africano, aqui fortemente conectados a psicotrópicos que facilitam a “ligação” a um mundo transcendental e que acelera o sentido de invencibilidade das personagens em combate. Exemplo disso é uma cena em que, repletas de alucinogénios, as crianças vão exterminando uma aldeia num estado mentalmente alheado, tudo sobre tons rosados entregues pela cinematografia do próprio Fukunaga e por uma banda sonora de Dan Romer (Bestas do Sul Selvagem) que não cai nunca no exagero do falso épico. Este momento é puro cinema, mesmo no pequeno ecrã, e até nos remete aos momentos de puro delírio de Apocalipse Now.

Embora por vezes existam desequilíbrios evidentes, em especial devido à imposição literária da narração de Abu, Fukunaga consegue aqui contar uma história entre o realismo e o psicadelismo, mostrando assim o quão profundamente alienante é a guerra para os seus intervenientes.

O Melhor: Os atores e (não) atores.
O Pior: A narração de Agu sobre o seu estado psicológico era escusada no filme


Jorge Pereira

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