Sexta-feira, 29 Março

«El cadáver de Anna Fritz» (O Cadáver de Anna Fritz) por Jorge Pereira

Edgar Allan Poe acreditava que nada seria mais romântico que um poema sobre a morte de uma mulher bonita. Nos tempos de hoje, a cultura das celebridades exige mais que apenas a beleza. É preciso também fama. O catalão Hèctor Hernández Vicens responde em 2015 com O Cadáver de Anna Fritz, um filme bem longe do romantismo que Poe falava e que explora, acima de tudo, o que os instintos primitivos, em especial o medo, contribuem para trazer ao ser humano o que de pior há nele.

Poucos ou nenhuns detalhes sobre o enredo serão explicados nesta crítica. O que precisam saber, e se vê no trailer, é que Anna Fritz é uma atriz famosa que é encontrada morta. O seu corpo é levado para a morgue, local onde um grupo de homens decide ter sexo com o seu cadáver. O que vem a seguir é suspense em toda a linha, num ensaio de sobrevivência, crime e castigo. Nada de novo por aqui, mas suficientemente fresco, engenhoso e sem o choque pelo choque para nos prender até ao fim.

Por isso mesmo, e sempre carregado de uma atmosfera desconcertante, O Cadáver de Anna Fritz consegue extrair do seu enredo e mise-en-scène  minimalista (uma maravilha para um filme independente e de baixo custo) o que de melhor há no cinema deste género. No fundo, temos praticamente toda a ação a ocorrer num único espaço, já de si claustrofóbico, poucas personagens e eventos que ocorrem apenas numa noite (num par de horas, para ser mais exato).

Todos estes elementos contribuem para uma sensação permanente de clausura e pressão, em especial para os protagonistas, sempre em permanente turbulência emocional naquilo que têm de fazer a seguir. Dos truques de Hitchcock até ao exploitation série B, não esquecendo a essência moralmente perturbante que é violar um cadáver, Vicens maneja tudo para criar aquele que é um dos mais simples, moralmente distorcidos e melhores filmes do género de 2015.


Jorge Pereira

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