Quinta-feira, 25 Abril

«The Walk – O Desafio» por Duarte Mata

Diz David Thomson de Robert Zemeckis (Regresso ao Futuro, Quem Tramou Roger Rabbit?, Forrest Gump) em The New Biographical Dictionary of Film que “nenhum outro realizador contemporâneo serviu-se de efeitos especiais para propósitos tão dramáticos e narrativos“. É bem capaz de ter razão. O último filme do “protégée” de Steven Spielbeg é entretenimento sincero e de uma competência que se tornou, infelizmente, rara no mainstream americano, não se fiando num amontoado de planos sisudos estancados numa montagem frenética, nem dos ditos “efeitos” para meras explosões e demonstrações de super-poderes. Ao invés, Zemeckis serve-se inteligentemente da profundidade de campo, de planos subjetivos e de uma reconstituição fidedigna do World Trade Center, para autenticar cinematograficamente o feito de Philippe Petit, artista francês para sempre imortalizado como “o homem no arame” (título do aclamado, embora estruturalmente televisivo, documentário que foi feito a década passada) que em 1974, clandestinamente, atravessou os telhados das torres gémeas sobre uma corda e sem cabos de segurança.

Seguindo a estrutura comum do “biopic”, ou seja, a personagem a relatar a sua vida, num extenso “flashback”, The Walk – O Desafio não toma o seu retratado como um santo ou um indivíduo domado por um talento sobrenatural, mas como um sonhador dedicado (como sonho é, aliás, aquela Paris a preto-e-branco do princípio, domada por Pierrots falsos e artistas de rua de variados calibres), disposto a trabalhar durante vários anos por um objetivo que possa representar a dedicação e o amor por uma causa. Não por acaso, o argumento baseado na autobiografia de Petit dedica-se aos materiais arranjados, esquemas feitos e cúmplices seduzidos durante meses, expostos em planos médios que devem muito ao classicismo de Hollywood, como um autêntico “heist film”. Saliente-se, aliás, que a ligação de cenas é feita muitas vezes através de objetos relacionados com o golpe, como caixas ou maquetes, criando um caminho inevitável e coerente até ao vertiginoso clímax.

E, por isso, o filme é fruto de um cineasta ambicioso e criativo, que, tal como Homem no Arame não olha para as torres gémeas como vítimas de um dos maiores atos de terrorismo que a civilização tem memória (tirando, talvez, no derradeiro plano, que permite com que o filme não recaia num final feliz vulgar, como o demonstra a cena com a separação definitiva de Petit e a mulher), mas antes como portadores de um grande evento artístico, tão notável quanto simbólico. The Walk não tem medo de alturas, mesmo que a audiência seja a maior das suas vertigens.

O melhor: O entretenimento sincero e competente.
O pior: Muitos poderão achar que não vale a pena ver devido ao documentário já feito.


Duarte Mata

Notícias