Terça-feira, 23 Abril

«Miss Zombie» por Paulo Portugal

Um refúgio para quem estava menos calhado em seguir a pouco chamativa secção competitiva do festival podia encontrar-se na mostra do novo cinema independente japonês entre o ano 2000 e até 2015. Uma proposta, no mínimo, atrativa surgiu-nos na possibilidade de ver esta homenagem ao horror clássico por parte do versátil e irreverente SABU aka Hiroyuki Tanaka servido pelo perfume do habitual tom de humor árido.

A premissa parte de um Japão futurista em que as criaturas zombies se converteram numa espécie de animais ou escravos domésticos para executar pequenas tarefas, puro delírio ou até chacota. Depois de um exemplar apelidado de Shara chega numa jaula a casa de um médico devidamente acompanhado por um pequeno folheto de instruções indicando uma dieta a vegetais (que podem mesmo ser podres). Mas em caso algum deveria comer carne, razão pela qual seguia uma pistola para usar em caso de emergência.

Colocada a esfregar o chão do jardim, algo que a zombie faz diligentemente num único movimento maquinal eletrizante, ajoelhada no chão em posição em que o seu traseiro começa a incomodar dois empregados de jardim. Numa ocasião em que o menino da patroa se afoga acidentalmente num lago, a mãe do garoto implora a Shara que o traga à vida, algo que faz com uma dentadinha no pescoço. E assim se abre o espaço para que gradualmente Shara vá recuperando parte de si. As primeiras vítimas acabam por ser os elementos de um gangue de jovens que se divertia a espetar objetos nas suas costas. Por seu turno, o menino vai sendo alimentado por sangue e criando uma maior proximidade com o zombie, para total desespero da mãe. Ainda que faça crescer alguma curiosidade do pai que também passa a sentir algum apetite sexual pela zombie.

Tirando partido de um preto e branco contrastado, acentuando as partes menos visíveis do rosto de Shara, Sabu retira maior efeito dramático ao mesmo tempo que se aproxima mais dos clássicos que pretende homenagear. Ainda que no final nos esteja reservado um conseguido volte-face em que o sangue assume a sua cor natural. Miss Zombie afirma um gosto pelo minimalista, em que Sabu consegue notas altas de um eficaz e expressivo efeito de género.


Paulo Portugal

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