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«Desde Allà» (À Distância) por Paulo Portugal

Apesar de ter sido um vencedor surpresa do Leão de Ouro deste ano em Veneza, confirma-se o talento de Lorenzo Vigas nesta primeira obra sobre uma certa inquietação nervosa e surda sentida nas ruas de Caracas. Uma razão a mais para reconhecer um filme de uma proveniência parca em produção cinematográfica. Cativados fiamos pelo lado hiperativo da personagem principal, Elder, interpretado com incontrolável energia pelo ator não profissional Luis Silva (este é de resto e seu primeiro trabalho), sobretudo quando contracena com um dos atores latinos mais creditados da atualidade, como Alfredo Castro, o ator fetiche de Pablo Larraín, que o roubou à carreira televisiva para afirmar a sua intensidade serena no cinema. Ainda assim, sentimos que falta a este muito conseguido Desde Allà a espessura de uma obra de exceção.

Alfredo Castro é Armando, um protésico de classe média com gostos muito peculiares. Saberemos que apreciará jovens selecionados mais ou menos ao acaso, que os seguirá e oferecerá um molho de notas bolivarianas para que retirem a t—shirt e desçam as calças até metade para que ele os observe, e se satisfaça, à distância. No entanto, quando surge a vez de Elder, as coisas não se passam de forma tão tranquila, sendo mesmo Armando aliviado do dinheiro e atingido na testa com um objeto pesado. Mesmo que não se saiba bem porquê, Armando acabará por enfrentar de novo Elder, diante mesmo do seu gangue de amigos da rua, e acenar-lhe com mais dinheiro ainda, o que o motiva a empenhar-se na aquisição e recuperação de um velho Opel Corsa muito acidentado que, entretanto, Armando acabará por pagar. Esta estranha relação, distante que começa sem afetos, evolui para uma forma quase paternal, sobretudo depois de Elder ser agredido pelos seus e pelo código da rua quando notam que este está a agir como homossexual.

A partir do momento em que em Desde Allà se introduz um elemento de thriller que envolve um segredo, nunca completamente resolvido, com o pai de Armando, a narrativa assume um lado mais afetivo entre ambos e acaba até por incluir uma sugestão de assassínio. Ao longo destro processo, Vigas passa a lidar com emoções, ainda que quase sempre à distância, ainda que chegue a um final em que parece antecipado, mas que não fica completamente resolvido, mas que terá necessariamente a ver com o passado dele e com o seu pai. O que permite ao ator de todos os filmes de Pablo Larraín (acaba de filmar com ele o próximo, Neruda) apenas ter de deslizar a sua intensidade glacial (que nos faz sempre recordar Al Pacino), quase em piloto-automático, deixando que seja Luis Silva a carregar o filme nos ombros. Isso acaba por se refletir num final algo precipitado.


Paulo Portugal