Sexta-feira, 29 Março

«Lost River» (Rio Perdido) por Duarte Mata

Sejamos sinceros, a estreia na realização de Ryan Gosling é o que aparente ser, numa intriga que envolve a necessidade de uma família superar as dificuldades financeiras e de violência a que vem sujeita, numa cidade irreal suburbana: uma forte influência de Nicolas Winding Refn (pelo uso do pop quase anacrónico e de grandes planos de rostos iluminados pelo néon), o último realizador com quem trabalhou antes de ter anunciado a sua reforma temporária, tendo como pano de fundo um ambiente reminiscente das obras de David Lynch. No entanto, distingue-se do realizador dinamarquês pela ausência de um fetichismo pela violência (a que aqui há, ou é implícita, ou assume-se como fruto de um espetáculo gore a cargo de Eva Mendes que, desde o Holy Motors de Carax, não víamos num filme tão fora da sua caixa) e do americano por ter um ritmo mais acelerado e menos onírico.

Gosling mostra-se capaz do melhor e do pior: tem a capacidade de definir as personagens e as suas intenções logo na cena em que as introduz – repare-se no filtro verde usado e na chávena com um dólar desenhado quando surge o rico mauzão e oportunista, ou no flamingo de néon que é a única luz disponível ao apresentar o interesse amoroso do protagonista – no entanto, ainda padece de alguma ingenuidade também presente em cineastas recém-desvirginados no que toca ao uso de movimentos e lentes de câmara, sentindo a necessidade de entravar o filme para se afirmar enquanto realizador.

O pormenor mais interessante, como Lynch (destaque para a cena de karaoke, espécie de remake do momento em que Dean Stockwell cantou “In Dreams” em Veludo Azul, o filme com o qual Rio Perdido parece ter mais pontos de contacto), Gosling confia nas imagens, por vezes, surreais para exercer um efeito sensorial e abstratamente perturbador no espetador. E, por ser perturbador como o raio (já foi dito que é um auto-retrato mental do seu autor), aguça a curiosidade sobre o que fará a seguir, se alguma vez voltar para trás das câmaras.

O melhor: O ambiente surreal.
O pior: A ingenuidade no uso de alguns dispositivos da linguagem cinematográfica


Duarte Mata

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