Sexta-feira, 19 Abril

«Irrational Man» (Homem Irracional) por Roni Nunes

 

O Homem Irracional pode ser o elo mais fraco de uma espécie de trilogia temática que inclui dois filmes geniais (Crimes e Escapadelas e Match Point) mas, como sempre, um Woody Allen mediano é melhor que (quase) todo o resto. Entre outras razões está a sua capacidade única de transformar a filosofia em algo pop e consumível, o que o eleva com facilidade num universo onde a conceito de diversão está interligado à noção de “fazer esquecer” e “não pensar”. O perigo já se sabe e qualquer distopia já deu conta dele: a alienação e a sua outra face da moeda, o totalitarismo.

Abe (Joaquin Phoenix) é um professor deprimido e desiludido com a vida e, especialmente, com a disciplina que leciona – a filosofia. Jill (Emma Stone) é uma dedicada aluna que se torna sua amiga e, previsivelmente, o que começa na admiração intelectual vai ganhando outros contornos. Ele redescobre o sentido na vida, no entanto, quando decide corrigir uma falha judicial fazendo justiça pelas próprias mãos.

Woody Allen volta, como nos dois filmes citados, a um dos grandes temas da pós-modernidade tal como definida pelo filósofo francês Gilles Lipovetsky e o seu conceito de “crepúsculo da moral“. Por outras palavras, uma vez mortos todos os grandes ideais e crenças do passado, como a religião, a pátria ou o dever (qualquer que seja), a moral transforma-se em algo diluído, escorregadio – e, como se sabe, preparando o terreno para relativismos perigosos – entre os quais o do assassinato (também abordado em Crimes e Escapadelas). Há mais: uma vez igualmente constatado que não existem nem Deus nem as Verdades Relevadas dos manuais teológicos, o homem está entregue às gratuidades da sorte e do acaso (tal como em Match Point).

Ao mesmo tempo, a própria filosofia já não consegue dar conta deste incessante mundo dos sentidos que se elegeu como meta: a partir de um certo momento raciocinar tornou-se a antítese de “viver”. Daí a descrença amarga de Abe no seu próprio trabalho, até porque ele carrega consigo um background de ativismos políticos e todos os “ismos” (uma processo magistralmente abordado por Denys Arcand em As Invasões Bárbaras) que não deram em nada.

Tal como em grande parte dos seus melhores trabalhos, Allen consegue fazer desfilar magicamente pelo ecrã temas áridos como a psicanálise (nos seus trabalhos mais antigos) ou a filosofia sob um misto de seriedade e ironia – mas, de todas as formas, de uma acessibilidade palpável. Neste sentido, não é preciso mais do que inserir num produto cultural sob a capa do entretenimento algumas discussões famosas, como a relação de Martin Heidegger com o nazismo, os conceitos dos existencialistas sobre o humanismo, a tese da banalidade do mal de Hannah Arendt ou o inevitável Crime e Castigo, onde Dostoievsky estabelece a diferença entre “culpa real” e “culpa psíquica”. Tudo isso ao som de alegres acordes de piano e do mastigar das pipocas.

O melhor: diverte e faz pensar
O pior: incomparável aos dois filmes do mesmo tema que o precedem – Crimes e Escapadelas e Match Point 


Roni Nunes 

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