Sexta-feira, 19 Abril

«Ricki e os Flash» por André Gonçalves

Jonathan Demme gosta de pessoas. E quanto mais rebeldes e fora da norma forem, melhor. 

Talvez esteja aí o motivo principal pelo qual o realizador de filmes como O Silêncio dos Inocentes e O Casamento de Rachel tenha pegado nesta história de Diablo Cody (Juno), escrita no sono dela, e tentado imprimir sobre ela o seu cunho pessoal. 

Ricki é uma “rockeira” da velha elite. Republicana, mas “rockeira”. Mãe, mas “rockeira”. Para perseguir o seu sonho e tornar-se “Ricki”, Linda teve que abandonar o marido e os três filhos e lançar-se à estrada, perdendo gradualmente contacto com estes. Quando o ex-marido lhe liga para lhe informar que a filha atravessa uma depressão grave fruto de um divórcio em curso, Linda/Ricki volta a uma casa que já não lhe pertence – fisicamente e emocionalmente.     

Passaram-se oito anos desde O Casamento de Rachel, e volta a estar tudo aqui em jogo – a família disfuncional, entretanto multiracial, que se reune e espeta facas em tudo e todos, celebrando na última bobine um casamento, mudando o foco da filha para a mãe, também ali ausente. A diferença aqui é que as facas são de plastico e as personagens são cartolinas – espessas, mas ainda cartolinas. Não me levem a mal, se há alguém capaz de vender esta personagem de Ricki é Meryl Streep, e ela faz o melhor que pode com ela, levando-nos até a momentos de puro êxtase, nas performances musicais da banda, e nas escolhas sempre acertadas de Demme na música a versionar (obviamente). 

Mesmo enchendo o ego e o estômago, com as suas gargalhadas, com a seleção musical, e na visão cor-de-rosa do triunfo dos corações rebeldes sobre os formatados, resta ainda um travo de desilusão nesta história simpática mas superficial/ligeira, e ironicamente bem formatada – sobretudo vindo de quem vem e do que já fizeram num passado muito recente (não esquecer também Jovem Adulta de Diablo Cody…).

Claro que nem todas as histórias têm que ser realistas e complexas – o cinema serve também para nos garantir disso mesmo, e como entretenimento escapista de matiné, Ricki e os Flash vale perfeitamente a ida ao cinema. Se era esse o único propósito de Demme e Cody, parabéns, conseguiram um bom filme.  

O melhor – A seleção musical

O pior – sentir que podia ser muito mais do que acabou por ser, dado o talento já demonstrado quer de Cody quer de Demme, nas suas facetas mais cáusticas.

 
André Gonçalves

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