Quinta-feira, 28 Março

«Madame Bovary» por Hugo Gomes

Até Jean Renoir adaptou este relevante romance de Gustave Flaubert, Madame Bovary (em 1949), que fora considerado um dos pioneiros da chamada literatura realista. Porém, esta é a primeira vez que uma mulher toma conta de todo o controverso material publicado em pleno século XIX. Sophie Barthes, autora dos trabalhos Happiness e Almas Perdidas, opera um filme conotado por uma reconstituição história digna do selo BBC, se não fosse o facto deste Madame Bovery ser uma coprodução alemã, belga e norte-americana, onde nos centramos numa França falada em inglês e num romance transformado, naquilo que supostamente seria uma ensaio psicológico do bovarismo (a total insatisfação reconhecida na sua protagonista) para uma automática condenação e defesa da Mulher entediada na burguesia do século XIX.

Certas liberdades foram tomadas nesta obra cinematográfica de forma a focar exclusivamente na integridade de Emma Bovery (Mia Wasikowska), a madame do título, uma mulher que pretende desafiar as próprias convenções do matrimónio da época. Esta é uma óbvia obra concretizada num tempo onde o ativismo feminista parece ter ganho novas frentes de batalha, mas existe claramente algo que não bate certo em todo este retrato. Se a protagonista é facilmente julgada em “praça pública” (falo por parte do espectador), Sophie Barthes tenta lhe devolver alguma dignidade, salientado as suas emoções como revoluções sociais, enquanto carece em explorar as restantes personagens, nomeadamente o marido, Charles Bovery (Henry Lloyd-Hughes), recriado como um figura anorética, submissa e sem expressividade.

Contudo, mesmo ausente de profundidade, é no elenco secundário que o filme estabelece algum interesse (Rhy Ifans, Ezra Miller, Paul Giamatti e Logan Marshall-Green), ofuscando por completo a dedicação de Wasikowksa, desafiada em fugir da sua imagem já definida. Apesar do interesse de ver uma perspectiva, sobretudo, feminino quanto ao clássico do realismo literário, Madame Bovery é isento de emoção e de análise psicológica nas suas personagens. O que surge é um produto de época graficamente eficaz mas sem a merecida textura.

O melhor – o elenco secundário e a reconstituição de época
O pior – claramente a personagem e a interpretação de Henry Lloyd-Hughes


Hugo Gomes

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