Segundo André Téchiné, o desejo de adaptar esta mediática história que reúne ingredientes tão propícios como a obsessão passional e o crime ao serviço de factos reais derivou de um outro desejo: o de levar ao grande ecrã a personalidade de Julie de Lespinasse. O realizador revelou que encontrou semelhanças entre as cartas escritas por uma das protagonistas deste O Homem Demasiado Amado com os da escritora francesa, em pleno século XVIII.

Decorrido nos anos 70, o novo filme do realizador de Os Juncos Selvagens tem como base um jogo de interesses de uma família prestigiada mas a caminho da auto-destruição. Enquanto mãe e filha confrontam-se pela posse de uma herança, um advogado de poucos recursos encontra nesse cenário uma oportunidade para ascender no seu estatuto social e de certa forma orquestrar a sua vingança pessoal, movida pelo orgulho ferido.

Esta intriga que remexe em territórios povoados por Scorsese depressa evolui para um drama de tribunal sustentado por uma vertente mais que factual do que fantasiosa. Assim Téchiné o quis, para conceber um filme que “mexesse” em consciências e que as reavivasse para um dos casos mais misteriosos e mediáticos da França dos últimos anos, onde teorias da conspiração continuam a ser abundantes Este tratamento fincado nos factos despe O Homem Demasiado Amado de qualquer liberdade artística ou até de uma condução de planos que evitariam um registo académico. Infelizmente foi esse o caso.

André Téchiné constrói uma obra dramaticamente linear, onde o empenho dos atores, principalmente o de Adèle Haenel (que brilhou em Os Combatentes) e de Guillaume Canet, dão densidade às suas personagens. No caso dela, visto ter sido o principal interesse de Techiné na conceção desta versão cinematográfica, esta personagem é concebida com uma fragilidade cujas fendas emocionais são gradualmente desvendadas. Haenel ambienta-se perfeitamente na pele de uma mulher de aparência forte mas munida por um coração em ruínas. O resto é Catherine Deneuve a servir de presença de prestígio, tratando-se da sétima colaboração entre a atriz e o realizador. Aqui a atriz surge “disfarçada” por um incompetente trabalho de caracterização, como se o departamento de maquilhagem tivesse medo de tornar este “património nacional” irreconhecível.
Por outro lado, Téchiné faz das suas ao tecer um final simbólico com a intriga exposta, mas o resultado continua longe do esperado. Sem trazer algo de novo daquilo que se conhece deste suposto crime real, O Homem Demasiado Amado prevalece como mais um no leque cinebiográfico, ou do marketing dos filmes “baseados num caso real”. Em suma, vale pelos atores!

Pontuação Geral
Hugo Gomes
l-homme-qu-on-aimait-trop-o-homem-demasiado-amado-por-hugo-gomesSem ousadia para fugir do registo académico de filmes embebidos de factos verídicos