Sexta-feira, 19 Abril

«A Obra do Século» por Paulo Portugal

Saborosíssima surpresa cubana do jovem realizador Carlos Quintela que se estreia na longa metragem, mas já com uma trabalho muito relevante no pequeno formato. De resto, a curta La Piscina, de 2011, foi selecionada para a Berlinale e circulou por diversos festivais internacionais. Mas o mesmo parece acontecer com esta ‘Obra do Século‘, pois chega ao Ceará já com o selo do Tigre de Roterdão, atribuído ao Melhor Filme, o prémio FIPRESCI, no Cinélatino, em Toulouse, e ainda uma presença em alguns dos mais relevantes festivais deste ano, como Miami ou BAFICI, na Argentina.

Na verdade, não tem sido alheio ao cinema cubano das últimas décadas um certo desconsolo pelos sonhos não concretizados e os projetos inacabados. Ainda recentemente, Laurent Cantet aflorou esse estado de alma em Regresso a Ítaca. No entanto, Quintela aborda essa nostalgia de uma forma bem mais apurada, ao reunir três gerações de homens – o avô cruel (Mario Balmanseda), filho frustrado (Mario Guerra) e o neto (Leonardo Gascón) – partilhando um apartamento num dos andares cimeiros de um imóvel construído pela albergar os trabalhadores de da Central Nuclear cubana destinada a fornecer energia eléctrica à ilha. Um projeto de origem soviética, iniciado em 1982, mas que seria abortado pelo final da Guerra Fria em 1989, com a derrocada do muro de Berlim. Ficava assim adiado o “projeto nuclear do século”, o orgulho da nação, como vem descrito nas imagens de arquivo que acompanham diversas parcelas do filme.

A opção de Quintela em filmar a preto e branco a realidade atual da ‘Cidade Nuclear’ é adequada em diversos sentidos. Não só a ilustrar a degradação de toda essa área, bem como a reforçar a nota de realismo social a que foi votado um povo forçado a abdicar do sonho. De certa forma, existe como que uma gradação de cor que parece medir o otimismo cubano. Dada desde logo, a cor saturada das imagens de arquivo, em betacam ou U-Matic, adornada pelos sorrisos dos trabalhadores envolvidos nesse colosso industrial, mas ainda mais contrastada, em rigoroso HD, pelas reportagens atuais de alguns de desportistas locais que acabaram por elevar mais alto o nome de Cuba nos recentes jogos olímpicos de Londres.

Mas será sempre o regresso a uma realidade descolorida e cinzenta, captada de forma magnífica pela câmara do muito jovem diretor de fotografia de origem húngaro-boliviana Marcos Attila, presente em Fortaleza. À aridez do abandono transmite Carlos Quintela uma urgência e experiência estética de inegável mérito. Sim, A Obra do Século é outro dos grandes filmes do 25º Cine Ceará.


Paulo Portugal

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