Sexta-feira, 19 Abril

«The Assassin» (A Assassina) por Hugo Gomes

Descontextualizar um género como o wuxia é uma tarefa um quanto complicada, mas mesmo assim um autor como Wong Kar-Wai executou de forma peculiar o seu Ashes of Time (As Cinzas do Tempo, 1994).

Hou Hsiao-Hsien, um autor dotado de um certo respeito pelo realismo e a veracidade do tempo de duração dos planos, desafia ao integrar-se num estilo que não o seu. Estranho será dizer que The Assassin lacrimeja pela sua falta de ritmo, uma frase hipócrita visto que a obra conserva todos os toques dignos do autor. Mas será que o wuxia necessitava de tal tratamento? A resposta deve ser dada com outra pergunta, que tratamento? The Assassin regista-se na mesma liga que Tales of Tales, de Matteo Garrone (também visto na competição oficial do Festival de Cannes); é demasiado técnico e pouco consistente.

A história leva-nos a uma China do século IX, onde a filha de um general foi abduzida por uma freira que a converte numa perfeita assassina. Treze anos mais tarde, Nie (Shu Qi, vista em Três Tempos, outro filme de Hou Hsiao-Hsien) falha pela primeira vez uma missão e como castigo a sua mesta decide enviá-la para a sua terra natal, com ordens para abater o homem pelo qual estava comprometida – o seu primo – agora detentor de um extensa força militar. Ao chegar à sua terra, Nie reencontra os seus pais e as memórias passadas, o que a levarão para um derradeiro dilema. Será que Nie é capaz de cumprir a sua missão com êxito?

Todo este percurso do dever e sangue é concretizado com um câmara “lenta” mas contemplativa para com um trabalho rico na produção e que reconstituiu uma época distinta (provavelmente este seja um dos wuxia mais credíveis dos últimos anos). Com poucas coreografias de ação, até nisso foge da fórmula genérica, evitando o espalhafato do kung fu e a toda aquela suis generis liberdade em “violar” as regras da física.

Mas em The Assassin faltam-lhe personagens com que nos possamos identificar, falta conflito, climax, elipses. Por outras palavras, é o dinamismo da narrativa que temos mais saudades. Essa ausência transforma esta obra supostamente em algo mais sério, estilístico e visualmente belo num poço de situações involuntariamente cómicas. O mesmo pode-se dizer dos enredos e subenredos, exaustivamente anoréticos e até mesmo para hora e meia de filme.

Vergonhosamente o filme não consegue atingir a diferença, porque todo este trabalho resultou numa extrema indiferença emocional. Pelos vistos, os wuxia não foram feitos para Hou Hsiao-Hsien, pelo menos não nestes termos. Um dos filmes mais fracos da sua carreira.

O melhor – os valores de produção, as coreografias e a câmara de Hou Hsiao-Hsien
O pior – Temos um argumento que no papel soaria uma trama cativante e emocional, porém, tudo vai desde o demasiado contemplativo até a falha de dinâmica na sua narrativa.


Hugo Gomes

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