Sexta-feira, 26 Abril

«Unfriended» por José Raposo

Unfriended é um exemplo acabado dos raros (mas vitais!) momentos em que um produto padronizado de estúdio demonstra ter um arrojo estético, porventura dificil de encontrar no circuito de cinema de autor. Falar aqui em arrojo estético é sobretudo fazer alusão à transposição de um conjunto de gestos e linguagens estranhas ao cinema para o centro de uma encenação dramática que, apesar de todas as aparências, se insere numa estrutura narrativa tradicional. É nesse sentido que Unfriended pode ser pensado como um “update” ao filme de vingança, onde os protagonistas injustiçados só dão o caso por terminado quando enchem um saco com os ossos que restam dos seus inimigos.

Jason Blum, produtor dos tais filmes feitos à medida dos centros comerciais (Paranormal Activity; Insidious) – produtos de grande qualidade, para que não restem também confusões – apostou no desconhecido Levan Gabriadze (realizador de Lucky Trouble) para dar mais uma reviravolta nos contornos do cinema de horror. Há alguma parecença com Paranormal Activity, e isso é particularmente evidente na tendência em condicionar a mise-en-scène de acordo com as especificidades de determinado dispositivo. Na anterior franquia eram as câmaras de segurança que “faziam” o filme, aqui é o desktop de um computador a determinar as incidências da narrativa.

Apesar desta proximidade com Paranormal Activity, a sugestão de um diálogo com o contemporâneo é aqui mais explícita, ou não fosse o desktop de um computador todo um mundo de possibilidades: qualquer captura de ecrã é um universo de significados. Este automatismo, de resto, dá-nos logo a entender que mais do que contar uma história a partir daquele dispositivo, o que no fundo aqui interessa (e entretém), é demonstrar que é possível contar uma história desse modo. E é precisamente nesta transparência automática que se vê uma marca do nosso momento: o ciber espaço é hoje um avatar do domínio do capital – por cada janela que se abre, uma marca que se consome. Desgraçadas que são as sensações do presente, do sexo pelo Skype aos mp3’s do Spotify, e, claro, no horror das caixas de comentários do Youtube.

Quanto ao horror, é assim: Laura Barnes (Heather Sossaman), uma adolescente que de vez em quando gosta de beber uns copos, comete suícidio após ter sido vítima de bullying online. No aniversário da sua trágica morte e durante uma chamada em grupo entre amigos pelo Skype, começam a acontecer coisas inexplicáveis. Alguém, ou alguma coisa, interfere na chamada, e a partir daí é de mal a pior. Quem faz avançar a narrativa é Blaire (Shelley Hennig), e é pelo seu desktop que vamos tomando conhecimento do que está a acontecer. De pesquisas no Google, a chats privados no Facebook, passando por vídeos do Youtube que nos dão a ver que se passou com Barnes, a trama narrativa encaminha-se para a resolução do mistério: quem provocou o suicídio de Laura Barnes ao colocar o vídeo online? Quem fez os comentários torpes e sacanas?

A imagem “lagada” das chamadas do Skype, ou o ocultar de informação importante mediante a colocação estratégica de janelas em certas áreas do desktop, resultam num ambiente sempre tenso, à beira do colapso nervoso. Nos momentos de maior aperto, os efeitos sonoros de pós produção acentuam a carga emocional da narrativa, e nessas alturas só não se desmancha a ilusão porque há (ainda) uma sensação de novidade ao ver tudo isto em cinema. Em todo o caso, de novidade não terá assim tanto: ainda há pouco tempo esta mesma estratégia foi utilizada na sitcom Modern Family, no episódio Connection Lost.

Ainda assim, é interessante notar a forma como Gabriadze consegue acolher uma série de lugares comuns do género (e do próprio cinema narrativo), numa linguagem que nos é tão familiar, mas que raras vezes se vê no grande ecrã. A naturalidade com que o faz, como nos momentos em que um dos adolescentes, em desespero, decide pedir ajuda numa comunidade de vídeo online, em vez de sair porta fora a gritar “Socorro!” (como tantas vezes o cinema de horror nos deu a mostrar), diz-nos mais sobre a transformação da comunicação humana, do que dos seus talentos enquanto realizador.

O melhor: a simplicidade da execução.
O pior: mais do que contar uma história, fica a sensação de se querer passar uma mensagem.


José Raposo

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