Quarta-feira, 8 Maio

«Chronic» por Paulo Portugal

Tim Roth como o enfermeiro cuja vida se funde na entrega a doentes terminais sintetiza a trama de Chronic, do mexicano Michel Franco, numa das últimas escolhas de Thiery Fremaux para figurar na Seleção Oficial para a Palma de Ouro. E, diga-se, com mérito. Desde logo para equilibrar com candura e simplicidade o que sobrou em outros filmes, mais pautados pela imodéstia e presunção. Mas em Cannes é sempre assim.

E esta Crónica anda bem logo desde o início, pois não sabemos bem o que se passa com a mulher que este homem trata, dá banho, e veste a roupa com que será enterrada. Só quando uma jovem familiar o aborda no funeral, pedindo-lhe para saber do enfermeiro David mais detalhes sobre os seus últimos momentos, é que nos surge uma nova folha em branco para reiniciarmos esta história.

E vamos percebendo que para David, cada novo paciente é uma nova folha em branco, uma nova vida, para cuidar até ao fim próximo.

Por isso, a sua dedicação não tem limites. Como se o enfermeiro fosse acometido de um efeito ‘zeligiano’, emprestado ao filme de Woody Allen, e se fundisse num membro muito próximo do novo paciente. A nova vítima?. Pois ele acaba também por ser uma espécie de serial killer involuntário e extremamente afetivo. Tudo porque sobreviveu à morte do filho nas piores circunstâncias.

É quando a família de um arquiteto com cancro irado com a família e viciado em pornografia o acusa de abuso sexual que David é afastado. Mas por pouco tempo, pois ele não tem nada a esconder. Ele está apaixonado por aqueles que vão morrer.

David está tão morto como o ‘morto’ a trabalhar nos fornos crematórios de Son of Saul. Na verdade, estes dois filmes têm singulares pontos de contacto. Ainda que afastados pela História e pela geografia. Por isso mesmo quando no final vemos David a correr pelas ruas de Los Angeles, percebemos que ele, afinal, já está morto.

Tim Roth tem um enorme papel sem ter de fazer muito. Apenas manter um ar ausente e perceber a manipulação dos cuidados paliativos. Por isso, ao procurar o significado para ilustrar o ‘pior’ do filme, percebemos que esta crónica é para ser assim. Como que a dizer:” life is shit and then you die”. Quem irá discordar desta evidência?

O melhor: Tim Roth num papel totalmente ausente acaba por encher a personagem
O pior: Nada de especial.


Paulo Portugal

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