Quinta-feira, 25 Abril

«Love» por Paulo Portugal

De óculos 3D no nariz arregalamos os olhos para a cena de mútua masturbação entre o casal com que abre o novo filme de Gaspard Noé que acrescenta o significado hardcore à palavra Love. Ainda que o termo porno possa ser igualmente assumido, embora sem os tiques do género focados do ato. Como se imagina, um projeto com semelhante design é bem mais calhado para dividir do que propriamente para criar consenso.

Apesar de muitos terem torcido o nariz a esta “ousadia pretensiosa de Noé”, apetece dizer-nos que Love alcança aquilo que pretende, ou seja, mostrar uma relação romântica em que o sexo é real e não simulado. Neste caso, serve para ilustrar a vida afetiva, intensa, ousada e descomprometida de um casal. Digamos que é mais isso que interessa do que salientar que a narrativa do casal, ou do trio, é mais ou menos relevante. Ou seja, amor feito com letra grande.

Muitos esperavam mais um exercício de estilo na linha da ação invertida de Irreversível ou a câmara em trip de Enter the Void – Viagem Aucinante. Talvez a imagem mais próxima seja mesmo a das trocas de saliva no ousado Kids de Larry Clark, há precisamente 20 anos. Do ponto de vista mais técnico, a inovação é mesmo o 3D. Em todo o caso, usa o efeito de forma a fazer o espectador interagir mais com a cena. E de onde não nos escapamos de ser forçados a desviar a cabeça de uma ejaculação que atravessa a sala…

Pois, Love não é Amour… Mas digamos que até fica bem a provocação. De qualquer forma, o espectador poderá questionar-se da opção de filmar em língua inglesa, de resto uma preferência que dominou a edição deste ano. Será este um resultado da globalização? Não se percebe bem, porque o amor, ou neste caso, o sexo funciona como o esperanto da 7ª Arte.

Seja como for, saúda-se a concretização de um dos projetos iniciais do realizador francês de 52 anos nascido na Argentina, ainda antes de Irreversível, quando se propôs fazer um filme porno, no fundo com sexo a sério, com atores conhecidos. Os primeiro alvos foram mesmo o casal, na altura, Vincent Cassell e Monica Bellucci, que acabariam por não se sentir à vontade. Daí a opção por atores totalmente desconhecidos, mas preparado para dar tudo na cama. Assim sendo, Karl Glusman, apenas com modestas participações e Aomi Muyock e Klara Kristin, ambas estreantes.

Aqui se vive a história de um americano em Paris. A vida apaixonada de Murphy (Karl) com Electra (Aomi), mas também a deriva do casal com a vizinha do lado, Omi (Klara), numa bem coreografada ménage a trois. De uma forma gradual, Noé espevita a ação num crescendo de intensidade semelhante aos filmes anteriores. Até porque Electra desaparece e Murphy engravida Omi. Como é habitual em Noé, o filme navega com diferentes tempos narrativos embora aqui sem uma justificação palpável. De resto, Love tem vários pontos de contactos com os filmes anteriores de Noé. Sobretudo com Irreversível, desde logo pela música, não propriamente as delicadas Variações Goldberg, de Bach, mas o ritmo mais tecno que se funde com as cores garridas que recriam os seus ambientes excessivamente quentes e opressivos. Sendo que num deles acontece quando entramos num clube de sexo em grupo onde o casal experimenta uma mas algum ritmo variante alargada do kama sutra e de todos os fetiches em que o limite parece ser a fantasia com um travesti. Mas num desafio que Murphy não consegue ultrapassar.

Love está longe de ser um grande filme. E não é a narrativa que o move. De resto, como nos anteriores. No entanto, tem a ousadia de ser o que pretende. É claro que a crítica mais séria gritará cobras e lagartos, mas por certo não se aborreceu durante a performance. Não diz que faz amor, faz mesmo. Pelo menos de uma forma não velada como nos exemplos que certamente serão referido para comparar com Love. Noé não descobriu a pólvora, e muito menos o sexo no cinema, mas abriu caminho. Ficar indiferente a este filme é que não.

O melhor: A forma despudorada como o sexo é filmado
O pior: A pena de não terem existido atores à altura do desafio


Paulo Portugal

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