Quinta-feira, 28 Março

«National Gallery» por Duarte Mata

Ainda na ribalta do sucesso do seu La Danse, Frederick Wiseman estreia a sua mais recente longa-metragem, National Gallery, sobre o homónimo museu londrino. Mas dizer que é um documentário em torno da referida instituição é francamente redutor. O cineasta americano é famoso por seleccionar rigidamente o que fica na “versão final” através da edição, partindo de inúmeras horas de material registado e garantindo assim uma estrutura “dramática”. Tal método leva aqui a um filme que reside mais na análise detalhada de algumas das obras do museu (de períodos que vão desde a Idade Média até ao século XIX) e no contexto em que foram criadas, como Portrait of Frederick Rihel on Horseback de Rembrandt ou Sansão e Dalila de Rubens, do que em usar as suas três horas para contar toda a história do mesmo (muito embora dedique parte do seu tempo nas árduas tarefas e dilemas de cada departamento).

Mas Wiseman está também interessado em analisar o papel da arte na sociedade ao longo dos séculos, como uma variável global e necessária para a compreensão humanista do estado do mundo. Ouvimos os guias a contarem a sua visão da pintura e o porquê de terem escolhido ser artistas, vemos o esforço minucioso e exasperante dos restauradores na preservação do que crêem ser “o génio absoluto”, assistimos a uma reunião de cegos a analisarem um trabalho de Pissarro impresso em relevo. E, o pormenor mais interessante, os campos / contracampos entre os rostos dos retratos de Caravaggio ou as paisagens de Turner e os visitantes que os contemplam, como se o cineasta quisesse fazer a audiência parte dos quadros, criando também figuras trabalhadas de uma forma pictórica (passe a ironia do comentário). Não é a obra que vive e fica incrustada nas paredes do museu, antes partes da vida do seu artista.

Sem comentários off, música ou entrevistas (a tendência maioritariamente recorrente do documentário), National Gallery é o cosmorama do seu realizador e uma tentativa forte e bem-sucedida de levar o espectador a interpretar o que o rodeia de várias formas diferentes (como é salientado, através do elo entre o espectador e o ser retratado, através da representação do último, estando “tudo e todos corretos“). Não será esse o papel da arte?

O melhor: As análises feitas aos quadros e os bastidores de alguns dos departamentos do museu.
O pior: Ligeiramente extenso, particularmente no último terço.


Duarte Mata

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