Sexta-feira, 29 Março

«Cemetery of Splendor» (Cemitério do Esplendor) por Hugo Gomes

Um funeral de luzes, Apichatpong Weerasethakul regressa a Cannes com uma experiência visual puramente artesanal, esboçando uma Tailândia em plena reconstrução e em eterna ligação com o seu misticismo. Cemetery of Splendor evidencia-nos um retorno do cineasta ao estilo do seu O Tio Boonmee que se Lembra das Suas Vidas Anteriores“(vencedor da Palma de Ouro em 2010), cuja coexistência entre a realidade e o mundo fantástico de cariz mítico é de tal forma desarmante como natural.

Neste seu registo do sobrenatural, Weerasethakul aproveita tal essência para incutir todo um conjunto de “what if“, usufruindo de jogos de faz de conta para emanar a magia desta imaginação acorrentada por um medo social e politico.

Nesse sentido, Cemetery of Splendor revela-se num conto anti-militarista, tecendo sonhos perdidos e deceções destes militares “zombies”, aprisionados num sono inacabado e ao mesmo tempo requisitados para defrontar batalhas que são tudo menos as suas. “Não há futuro no exército”, revela-nos uma das personagens que de seguida salienta a futilidade que as próprias forças-armadas adquiriram na sociedade tailandesa. Porém, a mensagem poderá passar despercebida, visto que Apichatpong Weerasethakul faz um filme à sua maneira, sob uma solitude constante e com planos apenas para perdurar o seu olhar enquanto artista visualmente criativo, alguns dos quais verdadeiramente desnecessários e que pouco ou nada acrescentam à narrativa.

Mas o seu mundo continua a ser convidativo, imaginativo e, sobretudo, guiado por um vórtice de estranheza. São deuses sob a forma humana, luzes funerárias que transmitem os sonhos dos seus “soldados caídos“, um palácio imaginário algures numa trágica floresta e videntes ao serviço da nação: uma fantasia aberta para todos mas inerententemente “exquisite“, isto vindo de um autor que continua, e muito, a deslumbrar uma comunidade cinéfila com as suas imagens harmoniosas e fantasmagóricas.

Por fim, termina-se com “o desejo do Paraíso guia-nos ao Inferno“. Citação que se encontra numa das placas deste Cemitério de Esplendores.

O melhor – o visual simples e artesanal, o saber disfarçar uma crítica
O pior – alguns planos e sequências sem utilidade


Hugo Gomes

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