Quinta-feira, 28 Março

«The Lobster» (A Lagosta) por Paulo Portugal

Uma mulher de rosto ansioso conduz um automóvel numa zona rural. Subitamente pára, sai do carro, aponta a arma e dispara quatro tiros num burro que cai inanimado. Assim começa A Lagosta de Yorgos Lanthimos, talvez o filme mais excitante que vimos até agora na Croisette. Espera. À exceção de Son of Saul, é simplesmente arrebatador, ainda que excitante não seja a palavra certa.

Seja como for, Yorgos Lanthimos é já um dos autores mais sérios do cinema atual, um cinema que se serve do absurdo e o usa como matéria prima. Mesmo com a troca da língua grega para o esperanto da língua inglesa, devidamente defendido por estrelas de Hollywood, mantém-se intacto o desafio permanente do cinema de Lanthimos.

Tudo parece complexo, ou até mesmo encriptado no cinema deste grego alucinado, mas as regras da atração são aqui temperada com um molho forte para servir com a Lagosta. Vamos então à lagosta.

De acordo com as regras de uma sociedade distópica em que ser solteiro é proibido, seguimos um grupo de pessoas alojadas num hotel onde grupos se dividem entre casais e solitários num misto de speed dating com sentido orwelliano e até uma piscadela a Hunger Games. Espera, Hunger Games? Ok, se se perceber que a ideia é emparelhar seres compatíveis e eliminar solitários com armas tranquilizadoras, a coisa pode adquirir um significado mais sedutor.

Por exemplo, Colin Farrell é o tal solitário que escolhe transformar-se em lagosta caso chegue ao final do prazo sozinho. E aprende com Ben Whishaw, que sangra do nariz para criar empatia com a sua futura esposa com problemas de hemorragia. Ou então John C. Reily, que é torturado com os dedos numa torradeira por aderir às proibidas práticas masturbatórias. Isto até conhecer uma alma gémea com o semblante de Rachel Weisz, a qual o levará a medidas mais extremas. A partir daqui o filme adquire um novo andamento e torna-se ainda mais ousado, onde a personagem de Farrell revela o atrevimento de tentar até o amor.

Depois de Dogtooth (2009) e Alps (2011), Lanthimos acrescenta mais uma vinheta ao seu cinema do absurdo, mas que adquire um significado bem mais real e coerente que um mero exercício de estilo egocêntrico. O facto de se servir de Hollywood e, por isso mesmo, acrescentar uma faixa bem mais alargada ao seu público potencial, nada retira ao método seguido.


Paulo Portugal

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