Sexta-feira, 19 Abril

«Irrational Man» (Homem Irracional) por Hugo Gomes

Os golpes sempre fizeram parte do cinema de Woody Allen, mas desta vez o cineasta pegou no livro de receitas de Hitchcock e sob o seu signo incutiu O Desconhecido do Norte-Expresso (1951) como a mais evidente influência.

É que a busca pelo crime perfeito, aquele que segundo o “mestre do suspense” é isento de culpa, já vinha no vocabulário de Allen (nota-se, por exemplo, o seu negro Match Point), mas nunca analisado de maneira mais meticulosa que as anteriores abordagens.

Contudo, com isto não esperem nada de exaustivamente sério por aqui. Allen brinca com as suas próprias fórmulas e o existencialismo irónico e cínico das suas personagens são os seus brinquedos predilectos. O tratamento destas aufere um tom quase caricatural, mas a caricatura aqui é mais densa do que se julga, e nisto sente-se a própria marca autoral do cineasta, pois todas essas personagens têm algo de seu. Nota-se por exemplo que Joaquim Phoenix é uma personificação fantasiosa de um Woody Allen psicologicamente hipocondríaco, o qual fala de sentimentos e que tenta incuti-los com tragédias passadas, sendo assim um ser interminavelmente infeliz que encontra a experiência na transgressão do corretamente cívico. Ou seja, somos induzidos por uma rebeldia inerente do realizador, o qual deposita nas personagens um regresso ao seu espirito adolescente, desafiante e revoltado com o posicionamento da sociedade.

Se por um lado o filme é um “abaixo” as morais formalizadas, por outro é um debate sobre o maniqueísmo imposto pelas mesmas. Nesse sentido tudo é resolvido, de certa forma, com uma referência a Hannah Arendt e à sua Banalidade do Mal. Mas se Joaquim Phoenix mostra-se versátil, o melhor é mesmo “espreitar” a confiante Emma Stone, que se encontra cada vez mais emancipada num protagonismo, sem falar do seu contagiante carisma do qual é impossível desviar o olhar.

Porém, fica a questão. Será este um “bom” Woody Allen? Na verdade é apenas “morno”. O que encontramos é um filme pontuado com o seu característico humor, com tudo aquilo que poderíamos esperar de um regresso do cineasta nova-iorquino, mas onde se nota que a imaginação começa a faltar-lhe. Isso é sentido principalmente nas resoluções arranjadas à última da hora para encontrar um desfecho para a intriga. Desfecho que parece ter sido concretizado para funcionar como uma anedota, onde a grande piada reside no seu final.

O melhor – Emma Stone e as influências mistas e evidentes
O pior – um filme morno na sua filmografia, não sobreviverá no futuro como referência ao realizador.


Hugo Gomes
(Crítica originalmente escrita em maio de 2015)

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