Sexta-feira, 29 Março

«Güeros» por Roni Nunes

Já não é possível saber o que fazer com a noção de “revolução” e o cinema contemporâneo, cada vez que esbarra no desejo de retratar o “mal-estar das coisas”, torna-se o paradigma de todas as incongruências ligadas ao conceito. A vitória capitalista-liberal-burguesa parece um facto consumado menos pelo bem-estar económico (cada vez mais relativo) do que pela conquista absoluta das crenças da maioria – hoje células atomizadas altamente individualizadas sem qualquer noção de coletividade e a viverem furiosamente agarradas à uma única ambição: satisfazerem-se a si próprias.

Este preâmbulo não é mera divagação: Gueros, obra de estreia do realizador mexicano Alonso Ruiz Palacios, é um símbolo de todas as contradições e do saco roto que caiu qualquer pretensão de movimentar o status quo – e isso numa nação que ainda tem muito por conquistar em termos de igualdade social. O filme narra história de quatro jovens que vivem, cada um à sua maneira, um período político supostamente efervescente, marcado por protestos e barricadas na universidade. Entre a inércia, o desinteresse e o engajamento furioso, eles circulam ainda à procura do “sugar man” mexicano – um velho ídolo romântico desaparecido herdado da fantasia paterna do mais jovem deles.

Alguém já disse que “se você tem nostalgia dos anos 60 é porque não viveu lá“. De um antigo filme de Bernardo Bertolucci, Antes da Revolução, de 1964 (estava lá tudo: preto-e-branco, poesia, jovens à deriva, barricadas e conceitos revolucionários) até este Gueros é uma verdadeira cosmogonia que se esfacela em estilhaços de subversão amorfa – tornando uma ironia trágica o slogan publicitário do filme – “ser jovem e não ser revolucionário é uma contradição“.

Esteticamente a realização aprofunda todas as indefinições da sua proposta – investindo no preto-e-branco, na metalinguística, na alternância radical de ritmos e, quando as coisas parecem adquirir seriedade, na desconstrução do próprio discurso ao introduzir uma claquete com indicações do realizador no meio da história. Mais do que irreverência, é mesmo o enorme peso da pós-modernidade, com o seu cinismo supremo, que impede este filme de ir a qualquer lugar. O over the top da piada revolucionária é a cena da universidade – onde violentas discussões ideológicas que até têm a sua graça dão origem á uma batalha campal onde só faltam os bolos na cara para torna-la um pastelão.

É uma pena porque a obra não está isenta da energia e da visceralidade do cinema latino-americano mas, dada a vacuidade de propósitos, o resultado é um arena livre onde se atirou para todos os lados sem se atingir alvo algum. De tudo isso não espanta nada que a solução de Palácios, depois de uma paragem no “pit stop” para achincalhar qualquer idealismo (a cena do “ídolo” no café), vá dar ao caminho… do amor romântico!

O melhor: a energia do cinema latino-americano não está ausente
O pior: é um filme esmagado por um contexto que o realizador não soube gerir


Roni Nunes
(Crítica originalmente escrita em abril de 2015)

 

 

 

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