Quinta-feira, 25 Abril

«Avengers: The Age of Ultron» (Os Vingadores: A Era de Ultron) por João Miranda

 

Hesito em começar a escrever esta crítica: se acho que o cinema pode ser entretenimento, levantam-se muitos problemas sobre o que a Marvel e a DC têm feito nestes últimos tempos (e que se preparam para continuar nos próximos anos, com mais de 30 títulos anunciados entre as duas), uma crítica política ou que ponha em questão estas “vacas sagradas” é recebida na internet com uma reacção imediata e pouco reflectida, com os argumentos de sempre de que quem as fez não é fã, não compreende o filme, é pretensioso, está a pensar demais algo simples e divertido, ou algo dentro deste registo. Arrisquemos então.

Primeiro, as credenciais: sou fã da Marvel desde pequeno, quando lia as BDs de forma relativamente acrítica. Um dos grandes episódios, para mim, é a saga da Fénix Negra, completamente arrasada no desastre que foi o X-Men: The Last Stand. O ano passado, o Guardians of the Galaxy foi um dos melhores filmes do ano. Se há algo que a Marvel faz, por vezes, bem, é a ligação a algo muito humano, a uma fragilidade e a uma relutância que tantas vezes nos atormentam, como se pode ver no sucesso de uma personagem como o Homem-Aranha. Mas qualquer boa-vontade que poderia haver para com esta empresa vacila perante o cinismo necessário para construir uma fábrica para encher chouriços e apresentá-los de uma forma regular.

Avengers: The Age of Ultron é um desses filmes que será, sem qualquer dúvida, um dos sucessos de bilheteira do ano, com a maioria das pessoas a sairem da sala bem dispostas e não se sentindo de modo nenhum enganadas com o que foram ver. Os elementos estão todos aqui: as personagens que já tão bem conhecemos, uma história que vai buscar a “mitologia” da Marvel, o humor de Joss Whedon. Porque falha então? Vários pontos. Mesmo nas suas duas horas e meia não é possível dar tempo a todas as personagens que vemos passar pelo ecrã, ficando-se a maioria pela unidimensionalidade ou pela caricatura do que já conhecíamos delas. As cenas de combate demasiado prolongadas, tornadas ainda mais complicadas pela natureza intersecionista das várias personagens e pela estética vigente. O humor não tão desenvolvido como no episódio anterior e a seriedade com que tudo é levado (o síndroma Batman, em que, depois de Nolan, todos os super-heróis têm de ter uma faceta negra e lidar com ela) tornam o filme pouco-a-pouco insuportável. Mas o que mais me incomodou foi mesmo a política desta criação.

Se o filme se quer mesmo levar a sério, façamo-lo então. Com uma conversa constante de Paz, a fita não passa de um reflexo demasiado óbvio da política externa norte americana. O país onde as primeiras e últimas cenas se passam é uma daquelas caricaturas quase racistas que parece tirada da Guerra Fria, com uma “shorthand” que torna tudo mais simples para o comum americano, mas que torna evidente as construções geopolíticas dos Media norte-americanos. Não quero dizer que há por parte do realizador ou da Marvel uma declaração de intenções quanto a uma participação da NATO na Ucrância ou no Báltico, mas que, como estas intenções são manifestas no discurso mediático acessível a quem vai ver este filme, estas são utilizadas de forma inconsequente e tornam-se evidentes a quem quiser analisá-lo sem ser pelo prisma do entretenimento. Outro elemento comum à política externa norte americana e ao filme é a ideia que só a força pode trazer a Paz.

Mais do que não querer explorar qualquer via diplomática, a Marvel e a DC na sua sequência de filmes-chouriço acabam por subjugar o espectador à impotência e à inação, mostrando que o normal habitante da Terra pouco pode fazer em relação às ameaças, sendo necessário o uso sistemático da força para as corrigir. É curioso, nesse sentido, que o Hulk é aqui uma das personagens mais poderosas, encarnando a força bruta. Sim, podemos dizer que estes super-heróis não respondem a nenhum governo ou ideologia (óbvia), mas o que quer isso dizer? Se olharmos com atenção às soluções tecno-bélicas que nos são apresentadas por estes filmes, será que não encontramos aqui a sua verdadeira ideologia?

Slavoj Žižek costuma argumentar que, nos filmes pós-apocalípticos o Capitalismo mostra o seu fim como o fim da Civilização, não sendo capaz de imaginar formas anti-capitalistas viáveis (e negando-as ao espectador). Aqui, poderíamos argumentar que o Capitalismo (como ideologia hegemónica em que os filmes são criados e realizados, mesmo que não de forma consciente) não consegue imaginar soluções para os problemas reais que ameaçam a Terra que passem pelo diálogo ou pela redução do consumo, mas sempre pela tecnologia e pela força. Aliás, esses problemas nem são sequer reconhecidos, antes substituídos por ameaças externas ou naturais que ultrapassam a nossa ação. Estes filmes não são propaganda no sentido em que não estão a defender conscientemente o sistema em que são feitos, são-no no sentido em que não o conseguem pôr em causa e acabam por sustentá-lo de forma acrítica.

Avengers: Age of Ultron não prima pelas suas ideias (quer conscientes, quer inconscientes) e vai acabar por cair no esquecimento na sequência inevitável dos chouriços que se seguem. Isso não vai impedir que milhares de pessoas o vão ver e divertir-se com ele. Pronto. Comecem os comentários..


João Miranda

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