O primeiro documentário de Sérgio Tréfaut (completado em 1999) revela-nos não só um novo movimento social, como também cinematográfico. Aliás, este é um dos retratos de como o Cinema pode ser bem mais do que um entretenimento visual ou um produto artístico, mas sim um meio de expressão. É a importância do 25 de abril, não só somente como data da Revolução portuguesa, mas como um evento insólito à escala mundial em que, não só houve a possibilidade de mudar o rumo de um país sem resultados catastróficos e sanguinários, como também este é um dos casos únicos em que as forças armadas estiveram do lado do povo e dos ideais dos movimentos socialistas e comunistas. Este dia relevante de um país que acordava para o Mundo, levou inúmeros jornalistas, assim como cineastas, a assistirem a algo digno de ser registado para a posteridade.

A verdade é que toda essa “peregrinação” originou obras cinematográficas que ainda hoje valorizamos, não só pelo seu conteúdo, mas como documentos de transcrição temporal, entre eles o mundialmente elogiado Torre Bela (Thomas Harlan, 1975), que eternizou a luta de uma cooperativa pela posse de propriedade privada no Ribatejo. Estes filmes quase transcreveram uma temática há muito visionada pelo Cinema de Bolchevique, a força das massas, o coletivo como combustão imparável para drásticas mudanças sociais e politicas. Felizmente, o Outro País de Tréfaut não ostenta qualquer doutrina politica, nem se coloca num lado desta passada luta. É a sua neutralidade, o seu fascínio pelos acontecimentos, que o tornam num objeto de estima, numa reflexão social, politica e cinematográfica, o nosso 25 de abril pelos olhos de “estrangeiros”.

Por outras palavras, esta é uma coletânea, um guia para descobrir e redescobrir as obras identitárias do nosso panorama, assim como um país datado mas relembrado como uma lenda populista. Nos dias de hoje, retratos como este adquiriram uma dimensão mais aprofundada, “condenados” a novas reflexões e estudos. Tréfaut comanda este “case study”, cujos mentores estão reunidos para futuras avaliações (Sebastião Salgado, Glauber Rocha, Robert Kramer, Thomas Harlan e até Chico Buarque). Merece a visualização!

Pontuação Geral
Hugo Gomes
outro-pais-por-hugo-gomesUm belíssimo atalho para o acontecimento e a nossa relação para com ele