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«Suite Française» (Suite Francesa) por Hugo Gomes

A escritora judia Irène Némirovsky (1903 – 1942) nunca conseguiu terminar a sua série literária que seria composta por cinco volumes em torno de uma França invadida pelas forças nazis. Os tempos em que vivia eram tão idênticos às histórias que escrevia, que não é novidade alguma que o destino não lhe foi feliz. A escritora foi capturada e enviada para Auschwitz, onde acabou por falecer um mês depois. Os manuscritos foram mais tardes encontrados e publicados num só livro, sob o titulo de Suite Française.

Ninguém nega a qualidade da escrita e da história tecida pela escritora, mas existe uma revolta imensa ao ver uma adaptação cinematográfica deste tipo. Para além de não fazer jus ao célebre e emotivo livro, preguiçosamente estabelece-se como um produto cinematográfico que se sustenta através dos mais corriqueiros truques. Esta é uma coprodução francesa, britânica e canadiana do realizador Saul Dibb (A Duquesa) que aspira ser qualquer coisa, exceto do romance que descaradamente adapta.

Envolve-se em classicismos gritantes como maneira encontrada para consolidar o gosto do espectador, mas a infelicidade acontece quando essa veia é empregue nos momentos mais inoportunos e tudo maioritariamente confundido com puro academismo, sem brilho nem irreverência. Ficamos perplexos a testemunhar um romance que adquire um tom de relevância grandiloquente, mas sem razões para tal visto sermos conduzidos a épocas cruciais, onde em pleno século XXI o tratamento deveria ser outro. O acentuado tratamento maniqueísta vincula até mesmo na sua linguagem.

Sabendo tratar-se de uma forma viável de comercialização, o uso da língua inglesa em personagens francesas atribui o seu “quê” de artificialismo para os tempos que decorrem (a globalização tem tornado o Mundo numa autêntica “aldeia”), enquanto o alemão é imaculado (involuntariamente dá a entender que é uma língua enraizada no Mal). Nesse sentido, as saudades de Quentin Tarantino e o seu Sacanas Sem Lei são cada vez mais evidentes, o respeito pela diversidade linguística e com isso a credibilidade das suas personagens fez-se sentir na sua obra. Talvez nesse sentido, Suite Française esteja mais convicto em comportar-se como um “europudim” de época do que supostamente numa reconstituição história e de dimensão humana, como foi O Pianista de Roman Polanski, no qual a decisão linguística ficou-se pelos mesmo termos que o filme de Saul Dibb.

Mas a comparação de um com o outro soa a um sacrilégio imperdoável, isto embora o piano seja novamente descrito como uma peça crucial na narrativa, até porque este revisitar não é mais do que um espólio de lugares-comuns. Quanto às interpretações, todas elas fazem o que podem perante um leque inquestionável de personagens unidimensionais, mais interessados em fincar marcos sociais estereotipados do que em estabelecer uma verdadeira combustão para a intriga.

Assim, desenrola-se um arquétipo de Romeu & Julieta composto por um final incoerente face a tudo aquilo que se assistiu. Suite Française é sim uma vergonhosa adaptação de um livro que se revelou o derradeiro legado de um ser humano acorrentado pelo seu panorama social, mas livre pelas suas palavras.

O melhor – a tentativa de adaptar Suite Française ao grande ecrã
O pior – o resultado dessa adaptação


Hugo Gomes