Quinta-feira, 18 Abril

«Elsa & Fred» por José Raposo

Elsa e Fred, uma comédia romântica que reúne Christopher Plummer (Fred) e Shirley MacLaine (Elsa) nos principais papéis, é um filme com o seu interesse: num momento em que a indústria de cinema se infantiliza desmesuradamente com produções de super-heróis dirigidas ao público juvenil, as raras propostas pensadas para espectadores com outras expectativas em relação à sala de cinema são sempre bem vindas. No caso do filme realizado por Michael Radford, esta curiosidade inicial em relação a um imaginário mais adulto esgota-se logo no domínio das aparências, visto não haver mais nada para lá das (muito) burguesas boas intenções.

Os contornos do enredo são-nos familiares, mas não é pela sentimentalidade empacotada que o produto nunca chega muito bem a ser um filme: Fred, viúvo recente, resmungão e pessimista, trava conhecimento com Elsa, a sua nova vizinha cheia de vida e bem disposta, e é a partir destes campos opostos que Redford tenta trazer para primeiro plano o seu principal propósito – uma encenação da reconciliação com a vida na terceira idade. O problema está na execução, em que a cada plano se pressente a “rebaldaria” que deve ter sido a produção: tudo a despachar e à pressa.

O desnorte transparece de forma mais evidente na falta de visão na planificação das cenas interiores, em que a geometria própria do espaço por diversas vezes se desmancha. E essa incompetência técnica perturba tremendamente a mise-en-scène, meramente funcional, raramente expressiva: pecado maior para um filme ambientado no habitat natural da burguesia, com as suas belas casas e salas de estar. Quanto à riqueza e densidade psicológica dos personagens, que à partida é uma expectativa legitima perante um filme cheio de moral em relação às coisas da vida e da passagem do tempo, também nos merece algumas reservas: é difícil compreender como é que um senhor nos seus oitenta anos deixa a sua companheira pendurada por esta lhe ter estragado as vontades (no caso em particular a peripécia envolve danças de salão). Se houve pinga de humor, passou-nos ao lado.

Apesar de tudo, valerá a pena reconhecer que nem tudo é assim tão negro: há alguma extravagância que faz o filme ocasionalmente vibrar, que coincide na maior parte das vezes com as paixões de Elsa, uma romântica derretida por Picasso e apaixonada por Federico Fellini, de quem o La Dolce Vita nos aparece como peça fundamental, do filme e da vida.

O melhor: Picasso; Fellini; Roma.
O pior: Uma découpage atabalhoada nas cenas de interiores.


José Raposo

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