Sexta-feira, 29 Março

«Big Eyes» (Olhos Grandes) por Roni Nunes

É preciso ver pelo lado positivo a história verídica do trafulhas Walter Keane (aqui vivido por Christoph Waltz) pois, ao que parece, isso de ser artista plástico frustrado pode ter dramáticas consequências: se a Academia de Belas-Artes austríacas tivesse aceite no início do século passado um jovem à beira da indigência que lá tentou ingressar, o mundo teria ganha um pintor possivelmente medíocre mas, com a recusa, foi agraciado com o genocida Adolf Hitler.

Não indo tão longe, Keane limitou-se a assumir como seus os quadros bastante singulares que a sua esposa Margaret (Amy Adams) pintava no final dos anos 50. Ocorre que estes tornaram-se incrivelmente famosos na década a seguir – proporcionando ao casal uma vida de riqueza, fama (para ele) e extrema infelicidade (para ela, que nem sequer podia receber amigos em casa por causa do “segredo”).

Big Eyes mostra Tim Burton em clara busca de novos horizontes para uma carreira muito marcada pela exacerbação visual e que aqui surge com um filme despido de maiores artifícios. Mais reconhecível e identificável com o universo do realizador são as deliciosas e comoventes figuras pintadas por Margaret – normalmente meninas com olhos desproporcionais e que, na altura, encantaram até Andy Warhol.

Um dos melhores aspetos desta biografia do casal Keane é que Burton evita tanto a hagiografia quanto a vertente cliché do artista que sofre mas graças ao seu talento dá a volta por cima. Embora não deixe claro que sem o génio empresarial de Walter é bem possível que a sua muito tímida e low-profile esposa nunca deixasse de vender quadros nas feiras domingueiras, Burton mostra a sua protagonista caraterizada por uma fragilidade e uma insegurança por vezes exasperante. O grande erro de ambos, que de resto poderiam ter complementado de forma satisfatória os respetivos talentos, foi ter avançado inadvertidamente por um caminho de mentiras ao ponto em que se tornou impossível voltar atrás.

Mais do que um Burton “menor”, Olhos Grandes é um filme intermédio numa carreira já longa que varia entre o genial e o “menos bom”. Como disse Roman Polanski ao justificar um dos seus filmes mais medianos de sempre (Frenético, de 1988) “quando se chega a uma certa altura, um cineasta já não tem que atirar a câmara pela janela para provar que é ousado”. Nesta linha de raciocínio, basta saber contar uma história – e esta é uma das boas – ainda que a forma algo farsesca com que o filme a soluciona borre um tanto a pintura. A arte também perde um bocado: com a ênfase nos acontecimentos externos, fica por explorar devidamente a natureza da obra de Margaret e as suas motivações interiores.

O filme oferece ainda boas hipóteses aos atores principais – com Waltz a ter uma figura por natureza teatral para explorar (embora por vezes exagerado) e Adams, que a cada vez que vai à casa de banho é indicada a um prémio sem que se entenda exatamente porquê, apoia-se nos lábios trémulos e na voz vacilante para construir de forma eficaz uma personagem ambígua, tão capaz de sair da casa do ex-marido acompanhada da filha pequena numa altura em que dificilmente uma mulher fazia isso, quanto em aceitar ofertas indecentes do seu bem-falante cônjuge/empresário/usurpador.

O MELHOR: Tim Burton a concentrar-se em contar uma boa história
O PIOR: alguns momentos do final


Roni Nunes

Notícias