Quinta-feira, 2 Maio

«The Spirit of ’45» (O Espírito de ’45) por José Raposo

O Espírito de ’45, um documentário realizado por Ken Loach em 2013 e que chega agora ao mercado português com todo este atraso, faz uso de imagens de arquivo das condições de vida no pós guerra no Reino Unido para traçar um panorama do espírito da população naquele crucial momento histórico. Para Loach, que para além das imagens de arquivo vai dando forma à sua argumentação a partir de testemunhos de pessoas que partilharam um projeto político e comunitário conjunto, um dos aspectos fundamentais neste espírito de 1945 foi o sentido de comunidade e do trabalho para o bem comum – princípios basilares do Estado Social erguido pelo governo de Clement Altee. O documentário aborda duas questões fundamentais, a partir de dois momentos bastante distintos: a centralidade do Estado Social para uma nova Grã-Bretanha acabada de sair da Segunda Grande Guerra, mais solidária e empenhada em construir um futuro próspero para todos; e a subida ao poder do governo Thatcher, e a progressiva erosão desse legado material e simbólico. O propósito, de declarada inclinação política, é o de contribuir para que esse entusiasmo pela construção de um futuro possam servir de exemplo e de inspiração para os dias de hoje.

Altee, que sucedeu a Churchill nas primeiras eleições do pós-guerra, implementou um conjunto de políticas à altura da vontade de profunda mudança daqueles tempos, com destaque para um extenso programa de nacionalizações e da criação do NHS, o sistema de saúde nacional britânico. Loach recolhe um conjunto de depoimentos de cidadãos que beneficiaram das melhorias das condições de vida que resultaram dessa política, que ao longo de três décadas foi capaz de impulsionar o crescimento económico britânico. Excertos do manifesto do Partido Trabalhista para as eleições de 1945, que são ocasionalmente narradas e sobrepostas a imagens de arquivo, têm uma particular ressonância para com os dias de hoje: “As dificuldades nos períodos entre-guerras não foram atos de Deus, nem de forças ocultas. Foram antes o claro resultado da concentração de demasiado poder económico na mão de poucos“; ou ainda, “o custo daquilo a que designamos por ‘liberdade económica’ para a população democrata é demasiado elevado se for alcançado à custa da miséria e desperdício do potencial de milhões“.

Formalmente, é um documentário de alguma banalidade. Loach coloca as questões sempre atrás da câmara, num registo que que associamos frequentemente à televisão e não tanto ao cinema. Os depoimentos recolhidos são também eles a preto e branco, em continuidade com os fantasmas das imagens de arquivo, como se os ideias e valores daquelas pessoas pertencessem já a um passado lamentavelmente irrecuperável. Nos momentos finais, Loach regressa às mesmas sequências com que abre o documentário, que dizem respeito às comemorações pelo fim da guerra, mas neste último olhar as imagens já são a cores: talvez ainda haja esperança.

O melhor: Uma evocação inspiradora de um período importante na história contemporânea.
O Pior: Nada a apontar

 


José Raposo

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