Quinta-feira, 28 Março

«Whiplash» (Whiplash – Nos Limites) por José Raposo

 

Ainda que o retrato do mundo do jazz presente em Whiplash – Nos Limites não seja exactamente animador, reconheça-se ao menos a particularidade da sua abordagem ao mundo da música. A história de um jovem baterista obsessivamente empenhado em ser um dos maiores, que faz da sua paixão pelo instrumento o centro da sua vida, é o pretexto para Damien Chazelle lançar um olhar na direção das especificidades da génese da criação musical. Entrega absoluta, dedicação total, motivação sem limites – estas e outras variações são como que uma partitura que fazem do guião de Chazelle uma entoação à ideologia da perfeição.

Quanto às particularidades, isto é, quanto à relação entre o afinco no trabalho e a perícia técnica, não restam portanto quaisquer dúvidas: sem sangue e suor não há musa da inspiração que nos valha. E o filme insiste nisso com muita convicção, uma e outra vez, um pouco à imagem do jovem Andrew (Milles Teller), que repetidamente e até à exaustão procura corresponder às exigências de Terence Fletcher (J. K. Simmons), um professor brutal nos modos e nas ideias. Acontece que o virtuosismo mecanicista que domina o filme do princípio ao fim não é propriamente a história toda – nem do jazz nem de coisa nenhuma -, pelo que fazer equivaler Whiplash a um documento realista ou de pendor sociológico será cometer um manifesto exagero. Com alguma ironia, valerá a pena recordar que Buddy Rich, o baterista modelo de Andrew, nunca chegou a ter uma educação musical formal, tendo aliás repetidamente declarado nunca praticar bateria para além dos concertos. Uma extravagância retórica, mas que ilustra bem algumas das contradições que atravessam a obra.

Aquilo que impressiona mais em Whiplash é mesmo a cinematografia, que faz um uso muito prolífero e frutuoso do close up e de sequências estruturadas à volta da montagem, ora em slow motion ora ritmadas por brevíssimos cut ups, de modo a oferecer um contraponto visual às composições musicais interpretadas por Andrew. São essas sequências que fazem o filme, que também vive muito das performances dos dois atores principais. Milles Teller, numa atuação vertiginosa e a condizer com o espalhafato pirotécnico de Buddy Rich, consegue transportar para o ecrã alguma da fisicalidade inerente à prática musical. Os momentos de maior intensidade, que resultam em larga medida do facto do próprio Teller ser baterista, formam um retrato poderoso do músico em transe. Teller tem uma fotogenia dada à introspeção, em radical contraste com a presença tonitruante de Fletcher, que não olha a grandes meios para atingir resultados. O célebre episódio (mal contado) em que Charlie Parker leva com o prato da bateria de Jo Jones na cabeça quando comete um erro, aludido como um mantra por diversas vezes ao longo do filme, é praticamente a única inspiração para os seus métodos de ensino. J. K. Simmons já venceu o Globo de Ouro para Melhor Ator Secundário, e a nomeação correspondente para o Óscar já ninguém a tira.

Damien Chazelle, que aos 30 anos já realizou duas longas metragens ambientadas no universo do jazz (estreou-se em 2009 com Guy and Madeline on a Park Bench), é um realizador para manter debaixo de olho.

O Melhor: A montagem, que pela forma como estabelece uma ligação entre som e imagem, nunca vai dar às águas da banalidade do vídeo clip.
O Pior: A insistência na obsessão pelo perfecionismo.


José Raposo

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