Quinta-feira, 28 Março

«Retour a Ithaque» (Regresso a Ítaca) por Paulo Portugal

Depois da viagem histórica aos Estados Unidos para evocar a narrativa do gang feminino que fez algum furos nos anos 50, em Raparigas de Fogo, o francês Laurent Cantet faz assentar em Havana um retrato íntimo sobre a atual situação política e social cubana. Para celebrar o regresso do camarada Amadeo após 16 anos de exílio, o seu núcleo de amigos mais chegado junta-se num telhado de Havana para uma noite de recordações. Entre rum, ritmos de outrora e uma refeição em redor de um arroz com feijão revelam-se os sonhos, os ideais, os amores, mas também a dedicação a uma causa.

Servindo-se de um estilo minimalista e confessional, Laurent Cantet explora com alguma eficácia este local com vista para uma cidade que se habituou a contornar as dificuldades com algum compromisso por parte dos seus habitantes. Será um pouco essa a conclusão a que chegará este grupo quando se questionar sobre a forma como aceitaram viver com a liberdade limitada. Afinal de contas, aqueles que se reveem nas fotos revolucionárias acabaram por desistir de parte dos ideais para fazer face às necessidades mais imediatas. Seja o pintor que aceita fazer quadros para vender a turistas, a oftalmologista que se conforma a viver com o dinheiro enviado pelos filhos na América, o escritor que vive de expedientes ou o engenheiro que conserta baterias com peças roubadas.

Optando por um jogo de câmara dinâmica que quase nos remete para a sala de aula de A Turma, Cantet revela-nos um filme carregado e boas intenções, embora sem nunca abandonar um ponto de vista demasiado atado aos clichês do género. Apesar de ao longo da noite a conversa atingir a espaços alguns momentos em que o ritmo das memórias e a desilusão se conjuga com a música e o jogo da câmara, dificilmente as falhas motivadas pelo regime conferem às personagens a espessura suficiente para que nos comovamos com o destino delas. Muito menos quando a expetativa do anunciado clímax final se fica muito aquém do esperado. Ainda assim Return to Ithaca dificilmente deixará de estar ligado aos sinais de mudança que poderão vir a moldar a ilha de Fidel.

O melhor: por momentos, Cantet parece embalar-nos para um filme denso e revelador.
O pior: quando percebemos que nada disso se irá passar.


Paulo Portugal

Notícias