Terça-feira, 23 Abril

«Unbroken» (Invencível) por Hugo Gomes

O segundo trabalho de realização de Angelina Jolie, dois anos depois da sua estreia em Na Terra de Sangue e Mel, é a confirmação de que a atriz e uma das figuras mais poderosas de Hollywood concentra uma visão classicista e dotado de toque “hollywoodesco” que se dá pelo nome de “seu cinema”. No centro desta perspectiva cinematográfica, Jolie supera a si própria ao esboçar algumas das experiências mais marcantes da vida de Louis “Louie” Zamperini, um atleta olímpico que se tornou num herói da Segunda Guerra Mundial após a sua bravura, coragem e sacrifício num campo de prisioneiros japonês.

Invencível é, resumidamente, uma história que funciona para o seu público como um foco emocional de motivação e superação pessoal, ao mesmo tempo que Angelina Jolie retrata o recém-falecido herói como um mártir silencioso quase regido a contornos bíblicos. Tendo como base um homónimo livro de Laura Hillenbrand, o filme salienta os feitos e o forte espírito do seu protagonista, quase servido como “bomba atómica” à moral japonesa, como se pode evidenciar numa das sequências chave e orquestradas para o efeito. Sente-se obviamente traços do cinema de Clint Eastwood aqui, a veia conservador e a limpa linguagem fílmica, resultando no seu todo num filme que surpreende ocasionalmente. Visto ser a dita atriz por detrás das câmaras, é um erro desvalorizar a sua realização.

Porém o grande problema da obra é a sua narrativa, não no sentido de ser fiel à romantização hollywoodesca quase solicitadora de uma nomeação pela Academia, mas pelo desembaraço inicial que empapa a fluidez da mesma. Como um sinal de pretensiosismo, a realizadora decide colocar um “elefante numa gaiola de pássaros” e inunda a narrativa com impasses cronológicos. Após uma sequência inicial de “combates aéreos”, por exemplo, que fazem relembrar os clássicos do género, somos alternados a seguir o passado de Zamperini por vias de flashbacks embutidos, dando a sensação de obrigatória uma introdução esquemática ao personagem-chave. Depois somos remetidos a uma sobrevivência à deriva do alto mar (garanto que desta vez não temos tigres, apesar do déjà vu) e é então que deparamos aqui com outra grande falha de Invencível, a fraqueza no desenvolvimento dos seus personagens. O efeito dado é de uma composição baça das mesmas e, derivado a isso, a fraca empatia com o espectador. Resultado? Um personagem morre e não sentimos absolutamente nada.

Sucessivamente, o filme adquire um novo ritmo com a captura de Zamperini pelos japoneses, o qual é levado para os campos de prisioneiros. A partir daqui somos endereçados às memórias de alguns clássicos cinematográficos, tais como Feliz Natal, Mr. Lawrence, de Nagisa Oshima. Mas os nipónicos aqui são num instante mais negros, desumanos, distorcidos e , como o filme pertinentemente sugere, de espírito frágil. O embate que se dá entre Zamperini e o sargento do campo, o qual é alcunhado por “O Pássaro” (talvez a única personagem japonesa relevante em toda a jornada trazida por Jolie), é representado somente por violento grafismo, enquanto que a cumplicidade, quer emocional, quer psicológica, é deveras nula.

O resto nos implode como uma demonstração de grandeza norte-americano, o elo patriota entre os prisioneiros e o seu país longínquo (o anuncio da morte do Presidente Roosevelt) e o “remexer” nas memórias classicistas do cinema de Hollywood. Nesse aspecto, Angelina Jolie adquire o estatuto de “melhor aluna” em elaborar um filme sobre grandezas mas com demasiadas falhas.

O melhor – A realização de Angelina Jolie, as boas intenções
O pior – a narrativa e o fraco desenvolvimento das personagens


Hugo Gomes

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