Sexta-feira, 29 Março

«The Imitation Game» (O Jogo da Imitação) por André Gonçalves

Humano ou máquina?

A frase acima serve de chavão à figura do matemático Alan Turing, sendo repetida em pelo menos três momentos distintos.

Homossexual, sendo ultimamente condenado por esse “crime” e relegado para figura mais secundária do século XX durante grande parte deste – quando estamos perante uma pessoa tão mais influente para o nosso presente que o próprio Steve Jobs (e só esse já teve direito a um par de “biopics” desde a sua morte), Turing tem finalmente um tratamento cinematográfico à altura, feito para arrancar todos os Oscars que consiga.

É uma história magnífica, com todos os ingredientes para captar a atenção do espectador mais desleixado e que ache que a matemática é demasiado complexa para ele, aqui captado de uma forma tão calculada como uma máquina, pois claro. Quando digo calculada, digo que houve aqui liberdades criativas para mudar um pouco a História (com H grande mesmo). Só para dar exemplos: há aqui pelo menos uma personagem ficcional presente, enquanto que outra “real” nem aparece – a que ajudou Turing a desenvolver a célebre máquina para derrotar o Enigma, máquina criptográfica usada pelos alemães durante a 2ª Guerra Mundial.

Mas por detrás desta máquina de produção eficaz, de uma reconstrução de época inabalável (dentro das suas “liberdades criativas”/mentiras) pontuada por uma banda sonora do sempre irrepreensível Alexandre Desplat, há mais que folga para o filme ser humano e jogar com o coração. Começando pelas já referidas “liberdades criativas”, muitas capazes de enfurecer os cínicos, e passando pelas performances do elenco escolhido a dedo – e aqui, claro, Benedict Cumberbatch e Keira Knightley são o foco, a última já habituada a estas lides, o primeiro a dar o salto definitivo para a fama depois da série televisiva Sherlock Holmes e de papéis secundários em The Hobbit e Star Trek, entre outros.

Ultimamente, aplicando o jogo da imitação de Turing, O Jogo da Imitação é um híbrido fascinante não só homem-máquina, como de vários géneros cinematográficos (com o “thriller” e o drama a acentuarem-se) possuindo o preciosismo de uma máquina bem oleada para conquistar prémios, mas também o humanismo, que, embora também calculado à precisão, consegue passar a sua mensagem da forma mais comovente possível. E no seu campeonato, bate claramente filmes ainda mais cobardes/convencionais vencedores do Oscar de Melhor Filme como Uma Mente Brilhante e O Discurso do Rei

Se estiver à procura de um filme fora do convencional sobre uma figura única, o filme vai desiludir. Caso contrário, é entrar na sala, e deixar-se envolver por uma história, por muito alterada que esteja, a fazer jus ao senhor que mais possa ter contribuído para que esteja aqui e agora a ler este texto.

O melhor: a produção preciosa e calculada, do elenco ao adereço mais ínfimo
O pior: pouco rigor histórico – às vezes por motivos de segurança ou para acentuar o drama – capaz de enfurecer os mais puristas


André Gonçalves

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