Sexta-feira, 29 Março

«The Theory of Everything» (A Teoria de Tudo) por Jorge Pereira

Uma das tarefas mais ingratas numa crítica a um filme baseado numa personagem real é conseguir separar o que gostamos ou não da pessoa e da sua história de vida, do que um filme faz para mostrar isso mesmo. Como a tendência normal é pegar numa espécie de “best of” da vida dessas personagens e amarrar tudo com um sub-enredo para lhe dar dinâmica, a maioria deste género de filmes cai nos mesmos erros sistematicamente. Neste emocionante mais limitado projeto essa problemática é por demais evidente, pois apesar deste ser um biopic que funciona mais como uma continua história de amor (o sub-enredo) do que uma cinebiografia normal (os momentos altos da sua vida), a verdade é que sentimos que esta Teoria de Tudo foca-se de forma unidimensional e de maneira desequilibrada.

Convenhamos que estamos a falar de uma das mentes mais brilhantes do século XX & XXI, cujas teorias foram revolucionárias e mudaram a percepção da ciência em relação a inúmeros temas. Transformar toda a sua vida num drama romanesco de evolução da sua doença (e da tecnologia associada a isso) e da sua relação pessoal com a esposa (onde os opostos se atraem) soa-nos a muito pouca ambição. E embora tenhamos noção que pelo meio vão surgindo alguns exemplos da genialidade do seu trabalho – aqui retratadas da forma mais banal possível, como se estivéssemos apenas perante uma espécie de Bom Rebelde, onde o que se assiste é um proclamar de chavões – este é maioritariamente desprezado e apresentado de forma muito superficial e apressada, mesmo nos momentos em que o filme mostra o seu reconhecimento a nível mundial.

Marsh, responsável por brilhantes documentários como Homem no Arame e Projeto NIM, consegue ainda assim dar emoção a um filme onde o que falha é o argumento, minúsculo para tamanha personalidade, sendo as engenhosas e brilhantes performances de Eddie Redmayne e Felicity Jones aquilo que catapulta a fita para o reconhecimento nesta época alta da entrega dos prémios cinematográficos.

A atuação de Redmayne, que faz lembrar Daniel Day Lewis em O Meu Pé Esquerdo, é acima de tudo física, captando os constrangimentos motores provocados pela esclerose lateral amiotrófica, doença neurodegenerativa extremamente incapacitante que já afectou outras personalidade cujos dramas chegaram ao cinema, como o guitarrista Jason Becker, a figura central de um documentário extremamente emocionante de há dois anos: Jason Becker: Not Dead Yet.

Já Felicity Jones, apesar de ter uma prestação de força como a mulher que acompanhou Hawkings ao longo de quase toda a vida, tendo para isso sacrificado em muitos momentos a sua felicidade, é naturalmente ofuscada pela prestação de Redmayne, embora mereça reconhecimento pela forma dramática como deu vida a Jane Hawking. Os filhos do casal, essenciais para a frase de remate do filme, são figuras diminuídas em quase toda a obra, uma estranha opção já que a vida pessoal do cosmólogo suplanta o seu trabalho cientifico em quase todos os momentos e sabemos mais do Stephen Hawkings como o esposo doente do que o cientista brilhante. Pelo meio ainda temos uma desaproveitada Emily Watson, aqui com um papel fugaz e pouco importante.

Por isso mesmo, esta A Teoria de Tudo soa a muito pouco. Hawkings merecia mais e talvez o cinema nem seja o melhor veículo para mostrar aquilo que representa em termos de conhecimento e do desvanecer da teoria criacionista. E até este ponto, da relação do cosmólogo ateu com a figura de Deus, é tratado de forma romantizada e aberta entre quatro paredes da casa do casal, como que fosse necessário agradar a todos os que assistem ao filme, deixando dúvidas no ar…

O Melhor: Eddie Redmayne, Felicity Jones, a cinematografia de Benoît Delhomme e a banda-sonora de Jóhann Jóhannsson
O Pior: O argumento e a falta de equilíbrio na apresentação das várias facetas de Stephen Hawkings (esposo, doente e cientista brilhante)


Jorge Pereira

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