É de certo que existe um chamado fenómeno Dolan e não é por menos visto que o jovem cineasta conquistou com poucos anos o estatuto e a consagração que muitos não conseguiram em anos de carreira. Tendo escrito a sua primeira longa-metragem aos 19 anos, o premiado Como Matei a Minha Mãe, instantaneamente foi comparado com um Orson Welles devido à relação do seu talento com a idade. Atualmente com 25 anos, Dolan reúne uma carreira invejável de 5 longas-metragens, todas elas bem vistas pela crítica, assim como uma vasta gama de prémios, incluindo inúmeros oriundos de Cannes, nomeadamente o de Prémio de Júri obtido este ano lado-a-lado com a última obra de Godard. Mommy, o filme que garantiu tal consagração, é provavelmente o seu trabalho mais expressivo, regressando ao seu assombro / fascínio pela figura maternal.

Aqui somos remetidos a um drama familiar de cortar à faca onde Dolan converte-o subtilmente numa fição científica através de uma pertinente ideia que não só serve de distopia mas como também um verdadeiro Deus Ex Machina para o seu desfecho. A relação entre a mãe do título, Diane ‘Die’ Després (emocionalmente desempenhada por Anne Dorval), e do seu frágil filho, Steve (Antoine-Olivier Pilon), funciona como uma “muralha” inicialmente intransponível, uma “faca de dois gumes” onde esta cumplicidade é transmitida através do seu formato de ecrã. Pois bem, Dolan brinca com este factor e o resolve transformar numa linguagem perceptível ao mesmo tempo que se preocupa em elaborar o seu “aquário” social.

Porém, a sua trama não se resume à dicotomia mãe / filho e logo o cineasta canadiano decide inserir uma “alien” em cena. Kyla (Suzanne Clément), a vizinha, preenche essa reacção exterior, completando assim o outro vértice de um triângulo relacional. A atriz por trás deste contraveneno é suficiente para concretizar uma personagem em plena corda bamba emocional. Aliás, uma das suas explosões resulta num dos momentos mais cortantes e inesperados de toda a película, salientando a ideia de que Dolan é mais do que um prodígio por trás da câmara, mas também um catalisador para aspirantes humanos, conseguindo enriquecer as sua “fantasias” com figuras complexas e sob uma contagem destrutiva.

Mommy é esse portento, a sua afirmação não só como realizador mas como um verdadeiro autor na sua forma integral, consolidando o trabalho dos atores com ideias que motivam a combustão dos seus filmes. E não só. Dolan “abraça” o videoclipe musical e utiliza essa faceta num dispositivo narrativo. A escolha da banda sonora pop é um estranho invasor na mente do espectador, sabendo este que a ênfase dramática da trama evolui mais do que um arquétipo adolescente, mas num panorama adulto e universal. Uma das músicas utilizadas para a composição musical remete-nos ao júbilo cinéfilo do realizador. Pois bem, na altura da estreia do seu Laurence Para Sempre, Xavier Dolan havia declarado fascínio pelo muito popular filme de James Cameron, Titanic. Esse tributo encontra-se aludido na inserção de Celine Dion na colectânea musical, sendo que a cantora canadiana, um património nacional, segundo Dolan através personagem de Steve, protagoniza uma das sequências mais sintonizadas e harmónicas do filme. Será Dion a salvação para as relações incompreendidas?

A resposta não é clara, mas em Mommy nem nos interessamos em salvações musicais, porque neste mundo confinado à entrega de um aos outros, Dolan é um “Deus” nada misericordioso, que não executa castigos divinos nem sequer recompensas. O magnetismo maternal, os fantasmas por trás desse mesmo deslumbramento, fazem de Mommy um filme de linguagem, de respostas sem perguntas e da afirmação de um realizador que por direito merece ser relembrado. Desencantado mas primoroso.

Pontuação Geral
Hugo Gomes
Fernando Vasquez
mommy-mama-por-hugo-gomesAdvertências: o receio de que a seguir de uma grande obra vem a "queda"