Sábado, 20 Abril

«Boyhood» (Boyhood – Momentos de uma Vida) por Roni Nunes

O cinema indie norte-americano desenvolveu, a partir dos anos 80, uma forma muito particular de realismo. Dentro do estilo, prolífico até hoje, Richard Linklater viria a ser um dos seus melhores expoentes – particularmente em obras como Juventude Inconsciente, SubUrbia e as trilogias dos “Antes…” (Amanhecer, Anoitecer, Meia-Noite). Mas Boyhood acaba por ser o mais engenhoso e ambicioso esforço neste universo.

O filme começa por retratar os irmãos Mason Jr. (Ellar Coltrane) e Samantha (Lorelei Linklater, filha do cineasta), com seis e nove anos, respetivamente. Enquanto eles andam tipicamente envolvidos em picardias infantis, a sua mãe Olivia (Patricia Arquette) luta para cria-los diante da ausência do pai (Ethan Hawke) – um fanfarrão que aparece ocasionalmente. O resto da história cruza-se com o projeto em si, que é fascinante: partindo deste ponto, Linklater filmou, num total de 39 dias, os mesmos personagens ao longo de 12 anos, refletindo o crescimento das crianças e o amadurecimento da sua relação com os pais e com o mundo que os rodeia.

Este cinema naturalista onde Boyhood está inserido extrai toda a sua força dos diálogos, da química dos atores e do universo muito particular que daí se origina. A banda sonora está ausente e a música, abundante, normalmente é retirada dos padrões do rock’n’roll. O visual cede claramente terreno à intimidade – ainda que, em casos como os da trilogia citada, os locais escolhidos para as filmagens emoldurem de forma atrativa o ambiente.

Os protagonistas, por sua vez, não fazem atos miraculosos, mas conseguem momentos de pura magia ao lidar com as questões quotidianas, onde a simplicidade é apenas aparente. Nas suas caminhadas e conversas, eles tropeçam em diversas verdades estilhaçadas que, longe de pretender compor um todo existencial completo, refletem o que o escritor argentino Júlio Cortázar referia como “esta grande confusão na qual estamos todos metidos“. E, no meio deste caos, há tempo para ilusões, desilusões, fantasias, romance, separação.

Em Boyhood, com a habitual perspicácia do argumentista/realizador, a fórmula ganha contornos épicos, com uma notável capacidade de Linklater em interligar situações onde a evolução dos personagens cruza-se com a dos seus próprios intérpretes (principalmente as crianças, claro). Aqui e ali surgem ecos dos seus trabalhos anteriores, tirando o carácter surpresa de certas situações (em alguns momentos parece que se está a assistir a Jesse e Céline a caminhar pelas ruas de Viena), o que não chega, claramente, para diminuir o valor global da obra.

O MELHOR: o realismo do cinema indie norte-americano na sua proposta mais ambiciosa e eficaz
O PIOR: algumas reverberações dos trabalhos passados de Linklater


Roni Nunes

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