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«Heaven Knows What» por Hugo Gomes

A segunda longa metragem dos irmãos Safdie (Ben e Joshua) é composta por um cinema espontâneo, quase descendente do neo-realismo italiano nas ruas de Nova Iorque, pavoneando-se como um conto de miserabilidade humana, mas com um olhar crescente para o individualismo pessoal.

Heaven Knows What é inspirado num relato de vida, ainda por publicar, da sua protagonista, Arielle Holmes, uma toxicodependente e sem-abrigo que graças a esta obra cinematográfica tem sido reconhecida e declarada como uma estrela para o futuro. E não é para menos. A agora atriz é incisiva no seu empenho autobiográfico, declarando-se um figura simbiótica com o paradoxismo e bizarria do seu Mundo, o qual se encontra repleto de marginais e é “adocicado” por um atípico romance que transcreve um “amor-cão” ácido para os próprios parâmetros do romantismo cinematográfico (o ator Caleb Landry Jones é prova dessa bestialidade amorosa).

Ausente de critica e de esboço social, sem moralidades nem compaixão com estas “criaturas” sob vestes humanas, a narrativa é impetuosa e vibrante como poucas, originando cumplicidades com uma câmara irrequieta e interveniente, sempre acompanhada por uma banda sonora minimalista que tão bem acentua as almas das suas próprias personagens.

Os Sadfie conseguiram aqui o efeito naturalista e recorrente a um cinema urbano, selvagem e psicologicamente violento, preenchido por figura enigmáticas, “aprisionadas” a um habitat complexo, mas quase incompreensível para os demais, onde tudo se resume a um campo de batalha entre a vida e a morte.

É cinema independente norte-americano no seu melhor estado, envolvido sob um sopro de ar fresco que revela assim a esperada emancipação da dupla de realizadores no panorama cinematográfico depois de Vão-me Buscar  Alecrim (2009).

A construção de uma nova linguagem? Talvez, mais do que um mero híbrido da veia documental. Mas por enquanto, podemos apreciar uma experiência vertiginosa nesses termos, liderada por uma protagonista que revive o seu falso quotidiano uma enésima vez.

O melhor – Arielle Holmes num filme violento e transgressivo
O pior – Haverá quem espere por personagens mais dadas ao público e menos relatos naturalistas


Hugo Gomes