Sexta-feira, 29 Março

«Deux jours, une nuit» (Dois Dias, Uma Noite) por Hugo Gomes

O novo trabalho de realização dos irmãos Dardenne (Jean-Pierre e Luc) coloca o espectador constantemente na pele das suas personagens, diria antes, figuras representativas de uma sociedade onde os números valem mais que a própria vida humana. Dois Dias, Uma Noite é uma proposta por vezes caricata de reflexão ética propicia ao debate, que nos obriga a olhar ao nosso redor, à situação atual em que vivemos, quer a nível político-social e mesmo económico.

No seio deste retrato prolongado de mendiguice levado a cabo pela atriz Marion Cottilard, cuja personagem, Sandra, tenta persuadir todos os seus colegas de trabalho (pelo menos a maioria) a prescindir do bónus anual para que esta mantenha o seu posto de trabalho, tudo isto durante um fim-de-semana. Esta jornada de humilhação pessoal é repleta de situações que indiciam críticas por parte dos Dardenne a um sistema frio e que nada faz para impedir o gradual desemprego. É o efeito dominó que passa ao lado da fita, mas que ao mesmo tempo é mencionado constantemente sob gestos e palavras das suas respetivas personagens.

A proposta é digna no seu objetivo, mas cedo Dois Dias, Uma Noite força os seus subenredos em prol de um cenário em pré-construção, tecendo simultaneamente os seus alvos críticos e estampando-os em tudo o que encontra. O final ainda nos reserve certas surpresas que evidenciam outros alvos, mas tudo cai no politicamente correto incendiário que propicia a discussão e a auto-reflexão. Enquanto isso, Cottilard é subtil na sua entrega trágica, funcionando como uma mártir perfeita na sua peregrinação em busca dos valores e do sacrifício humano.

Em Dois Dias, Uma Noite, a dupla Dardenne cria aqui um tipo de cinema reflexivo sob um pretexto algo naturalista, socialmente copista e quase pedagógico. É como se tudo resumisse a um prolongamento de Resources Humaines (Recursos Humanos), de Laurent Cantent.

O melhor – Marion Cottilard sob um cenário que incentiva a discussão social e ética
O pior – o seu enredo soa demasiado forçado, abalado pelo politicamente correcto e pelo senso de pedagogia


Hugo Gomes

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