Sábado, 20 Abril

«Silvered Water, Syria Self-Portrait» (Água Prateada – Um Auto-Retrato da Síria) por Roni Nunes

Mais do que tudo, esse labiríntico amontoado de imagens colhidas por testemunhas oculares da guerra civil síria assume-se por excelência como um daqueles filmes onde o conteúdo e, neste caso, o que está por trás dele (o perigo de vida constante dos “operadores de câmara”) o colocam acima de meros juízos de valor. Estas imagens de uma guerra absolutamente atroz trazem em si uma seriedade intrínseca que impede um juízo meramente analítico e, muito menos, puramente cinematográfico.

A história dos realizadores confunde-se com a do próprio filme. Um deles, Ossama Mohammed, está refugiado em Paris, não sem um enorme sentimento de culpa pela sua “cobardia”. Dia a dia ele tenta se convencer de que o seu lugar é na Síria a lutar ao lado do seu povo pela queda do governo. Mas o que termina mesmo por fazer é um objeto artístico a partir de milhares de imagens recolhidas pelos seus conterrâneos e divulgadas através da internet. A estas somam-se cenas de tortura aos rebeldes possivelmente feitas pelo próprio governo.

Em termos puramente cinematográficos, o filme ressente-se, particularmente na primeira parte, de uma fragmentação crónica, onde nem tudo que é mostrado tem utilidade. Já a recriação artística de Mohammed também não prima pelo esclarecimento – mas antes por um caráter difuso com um fundo filosófico e simbolismos por vezes obscuros.

A coisa ganha intensidade, no entanto, quando entram em cena as filmagens de uma professora primária, Wiam Simav Bedirxan, que documenta nas ruas de Homs o caos absoluto que toma conta da cidade depois desta ser cercada por tropas governamentais. Intercaladas com algumas outras, arrepiantes mesmo ao espectador ocidental, habituado à barbárie quotidiana dos telejornais, torna-se impossível para qualquer um ficar indiferente.

Como comparar isso com cineastas que fazem “protestos” com filmes que vivem de forma sem conteúdo para ganhar prémios em festivais? Diante de tudo o que está em torno deste Silvered Water, Syria Self-Portrait, o julgamento meramente analítico é claramente insuficiente e onde, diante da realidade, o poder da arte fica deveras diminuído.

O melhor: as filmagens de Wiam Simav Bedirxan; um conteúdo mais importante que o meio em si
O pior: demasiado fragmentado e, por vezes, confuso


Roni Nunes

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