Sexta-feira, 29 Março

«Nightcrawler» (Nightcrawler – Repórter na Noite) por André Gonçalves

I’m floored. (“Estou no chão.”)” diz a personagem de Rene Russo já na bobine final do filme. O espectador minimamente sensível poderá dizer o mesmo sobre esta estreia tão adiada de Dan Gilroy na realização, um já veterano argumentista da indústria que escrevia histórias para terceiros, mas que nunca teve o seu momento para verdadeiramente brilhar – o seu irmão, Tony Gilroy, tinha curiosamente tido o seu grande momento há uns anos atrás com a direção e escrita exímias de Michael Clayton.

Pois Nightcrawler prova que o talento corre na família, ou que pelo menos a família teve o dinheiro suficiente para comprar inúmeros bilhetes da lotaria, que resultaram já em dois jackpots.

Poucas vezes vemos filmes tão dedicados naquilo que pretendem transmitir, ao ponto de possivelmente alienar muita da sua audiência do protagonista – neste caso, Lou Bloom, um sociopata que vive da miséria alheia (Jake Gyllenhaal a desafiar as leis da física e a conseguir mais um desempenho capaz de triunfar sobre todos os seus anteriores), e que capta cenas de violência em Los Angeles, muitas vezes antes da polícia chegar ao local, para depois os vender a uma estação de televisão, que vive destas imagens como alimento essencial para gerar audiências. Não, não há aqui qualquer espaço para redenção, e se isto for “spoiler” para uns, que me perdoem, mas é melhor saber para o que se entra, do que se engasgar com as pipocas… A película nunca recua atrás, e o humor (muito negro) segue a alta velocidade com a tensão até estes colidirem num último terço capaz de fazer abandonar as almas mais moralistas da sala – se estas pessoas ainda tiverem pulso, isto é.

A acompanhar Gyllenhaal temos uma Rene Russo dedicadíssima – também ela a desafiar as leis da física, já sexagenária e sem apontar quaisquer sinais de ter essa idade (bendita cunha neste caso – Russo é esposa de Dan Gilroy), no papel de diretora de informação sedenta de “ratings” para salvar o seu próprio couro, um também recuperado Bill Paxton, e um anónimo Rick Garcia a interpretar um papel homónimo.

Se houver algum entrave, é mesmo a sátira ser tão certeira. Para quem sabe ao que vai, e tem estômago e cabeça para enfrentar o espelho gigante que o filme coloca sobre todos, vai encontrar um dos melhores filmes sobre o nosso presente, feito para o futuro. A par de Gone Girl, de David Fincher (curiosamente outro filme sobre sociopatias e o efeito nefasto que os meios de comunicação possam ter sobre o mais comum e aleatório ser humano), o melhor filme vindo de Hollywood este ano até ver.

O melhor: os atores, algumas cenas que serão clássicas daqui a uns anos, e acima de tudo a sátira no ponto a uma sociedade que incentiva sociopatias.

O pior: A sátira tão certeira e a sociopatia não redentora do protagonista vão alienar muito boa gente. Há que estar preparado para o que se vai assistir.


André Gonçalves

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