Sexta-feira, 29 Março

«Interstellar» por Paulo Portugal

Interstellar sugere a vontade de deslumbramento, de ver algo inteiramente novo, de experimentar o grande cinema operático feito aventura cósmica. Assim será se formos movidos pelo seu formidável hype. Sim, Interstellar parece um filme talhado para nos levar às estrelas. Pelo menos, era para essa a expetativa quando atravessámos o cais de embarque da sala IMAX. Infelizmente, a longa viagem de quase três horas viria a ser bem menos emocionante do que o esperado. Talvez seja um exagero compará-la ao desastre da tentativa de viagem de turismo espacial promovida por Richard Branson, ainda que a expetativa de ir às estrelas fosse semelhante…

Não, Interstellar não nos levou às estrelas. Longe disso. Ao longo das 2h49m de viagem não conseguimos a elevação de alma ansiada. Já depois da sessão procurámos respostas na leitura de algumas críticas aleatórias – invariavelmente superlativas nos adjetivos – mas sem que reconhecessemos na fita de Nolan o tão desejado enlevo. Desde logo, a começar pela falta de engenho de um guião incipiente que sistematicamente falha em embalar-nos nesta viagem até ao infinito.

Muito mais frio e estético que emotivo, Chris Nolan, mesmo com a ajuda do mano Jonathan, não parece o homem calhado para o enlevo emocional que se demandava nesta jornada. Razão pela qual se tornem redundantes as comparações a Kubrick. Sejamos claros, 2001: Odisseia no Espaço permanece intocável na sua condição de obra prima de outra galáxia. Mas não por falta de tentativas do guião devidamente supervisionado pelo físico Kip Thorne, perito em ondas gravitacionais, wormholes (uma espécie de atalho espacial), buracos negros e relatividade.

O problema é que estes conceitos científicos servem apenas de moldura a uma narrativa emocional que nunca chegou verdadeiramente a cativar-nos. Mesmo quando Anne Hathaway, como astronauta da NASA – no filme uma organização agora a atuar na clandestinidade -, sugere o conceito do amor como a hipotética explicação que supere as várias dimensões de espaço e tempo. No papel, a ideia até vem impregnada de ousadia, se não servisse apenas para justificar a improvável história entre a filha e o pai afastados por uma galáxia. Até porque nessa altura já tínhamos sido avisados dos fantasmas que sugeriam códigos de morse com poeira.

Num filme que que é a ciência que serve a narrativa e não o contrário, não admira que Interstellar passe grande parte do filme a tentar convencer-nos da paternidade a 2001, bem como a uma reinterpretação das interrogações da nossa existência tão caras a Terrence Malick. Identificada fica a vassalagem, pena é que não se vislumbre o golpe de asa. É pena.

Já muito se disse e escreveu sobre os famigerados efeitos visuais. Tudo certo, mas o problema é quando pensamos num filme com ensejo de criar novas templates ficamos à espera do espanto. E não será numa era de todas as possibilidades visuais que ficaremos embasbacados e olhar para uma parede de água a fazer de onda gigante, ou a pensar na verosimilhança de uma nuvem de gelo, logo num filme suportado que se suporta pelo conceito de gravidade. É claro que as imagens de Saturno são belas, só que aí não navegamos em maré de ficção científica. Na verdade, nem sequer se nota uma grande carga de conceitos científicos. De resto, o cientista interpretado por Michael Caine reduz a apressada viagem até ao outro lado do espaço com o pragmatismo de um plano A e um plano B.

A verdade é que muito se passa ao longo dos 169 minutos de fita. Mas nada que nos faça realmente sentir que trilhamos novos caminhos. Claro que temos um último quarto de hora que nos força a uma espécie de revisão do filme em fast forward. Produz o seu efeito, mas não deixa de soar um pouco a gimmick narrativo. Ah, claro, temos ainda a versão de R2D2 ou C-3PO, no tal monólito às fatias que responde pelo nome de TARS, que não só é capaz de manter uma conversa com bom sentido de humor, como salvar uma qualquer dama em apuros. O que dizer? É tão desajustado que chega a ter graça. Um pouco como a insossa mensagem final do filme.

Seria bom terminar com uma palavra elogiosa das interpretações, só que num filme irremediavelmente entregue ao peso visual e à sua dimensão operática não há ator que lá chegue. Nem mesmo quando os oscarizados Matthew McConaughey e Anne Hathaway puxam o envelope emocional. Espera, temos Ellen Burstyn, uma dama incapaz de fazer feio, mesmo quando tem apenas escassos segundos de ecrã.

O melhor: A expetativa com que se entra na sala de cinema
O pior: A ambição de uma obra-prima que passou ao lado


Paulo Portugal

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