Quinta-feira, 28 Março

«Trash» (Lixo) por Roni Nunes

Poucas coisas serão mais perniciosas no mundo do cinema do que ficção baseada em fórmulas hollywoodescas que auferem a si próprias a pretensão de serem mais do que diversão. A norma é que, quando se propõe a fazer crítica social, o resultado são indigestas salganhadas emocionais feitas de clichés, leviandades etnocêntricas (quando situadas nos países “emergentes”…) e uma espantosa superficialidade. No caso de Trash, a britânica Working Title e dois dos maiores talentos das ilhas, o realizador Stephen Daldry (de Billy Elliot e As Horas) e o argumentista Richard Curtis (de Quatro Casamentos e um Funeral e O Amor Acontece), conferem um novo vigor à expressão “para inglês ver” nesse Spy Kids meet favelas do Rio de Janeiro.

Tudo gira à volta de três garotos cujo destino os coloca na mira de policiais corruptos e violentos, que não hesitam em atirar em crianças a sangue-frio e cuja corporação trabalha em full-time a soldo de um político, também ele corrupto. Pendurados num McGuffin em torno de uma carteira que vai parar num gigantesco depósito de lixo a céu aberto, Curtis e Daldry constroem uma narrativa cheia de cenas de ação, tão inverosímeis quanto o pano de fundo social que pretendem mostrar.

Seria tão cansativo quanto o filme (que tem pouco mais de uma hora e meia mas que, depois da “suspensão da descrença”, parece ter o triplo da duração) enumerar essas incongruências. Num domingo à tarde sem nada para fazer até se podia engoli-lo como um fait divers pateta, não fosse Daldry querer se armar em cineasta sério (coisa que já o foi quando fazia filmes no seu país) e empurrar a sua fantasia Disney para um caminho perigoso, o da obra-com-conteúdo.

Quando isso ocorre, Lixo (nome mais adequado a este filme não podia haver…) ultrapassa rapidamente a fronteira da diversão para passar ao rude e ao ofensivo. Não que seja impossível este tipo de abordagem no cinema comercial: com conhecimento de causa, Carlos Saldanha o fez sutilmente numa animação (Rio) e, mesmo Fernando Meirelles, no seu violentíssimo e bem sucedido Cidade de Deus, conferiu dignidade à favela sem abdicar de mostrar as suas mazelas.

Mas os ingleses não sabem por andam (basta lembrar o retrato dos portugueses em O Amor Acontece, escrito e realizado por Curtis) e o mesmíssimo Meirelles, dono da coprodutora deste projeto, em vez de ajudar, pelos vistos parece que só atrapalhou. Responsável pela campanha de uma opositora de Dilma Rousseff nas eleições brasileiras, provavelmente até foi coisa dele soprar nos ouvidos da produção para estabelecer uma ligação entre a corrupção e os protestos contra o Mundial de futebol – um dos cavalos de batalha da oposição. Independente da fonte, de qualquer forma, essa “brilhante” ideia aparece devidamente colada com cuspo no resto da fantochada, caracterizando um momento em que se sai do reino da inépcia para se entrar no do ridículo.

O melhor: vai agradar os fãs da Disney
O pior: o título do filme é apropriado para referi-lo


Roni Nunes

 

 

 

 

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