Quarta-feira, 24 Abril

«Zwei Leben» (Duas Vidas) por Hugo Gomes

Katrine (Juliane Köhler) é fruto de uma relação amorosa entre um soldado alemão e uma mulher norueguesa durante a Segunda Guerra Mundial. Ela é uma Lebensborn, por outras palavras, pertencente a um programa nazi que teve o intuito de criar e reafirmar a raça ariana e povoa-la na Alemanha em vias de construção social, isto segundo Hitler.

Katrine, como muitas outras crianças do programa, foram separadas das suas respetivas mães à nascença e cresceram em orfanatos, ocultadas da sua verdadeira identidade e descendência. Com a queda do muro de Berlim, em 1990, foram muitos os “rebentos” que seguiram os seus próprios percursos em busca das suas verdadeiras famílias. Katrine foi uma delas, mas infelizmente guarda um sombrio segredo sobre o seu verdadeiro propósito.

Um thriller sob contornos nórdicos, frio e calculista, que fermenta factos verídicos impressionantes. Aliás, essa vertente torna-se mais entusiasmante que a própria intriga ficcional, baseada numa novela literária de Hannelore Hippe, Eiszeiten. Duas Vidas é um filme formal, profissional e tecnicamente eficaz que se verga por um clima de espionagem digna da Alemanha do tempo da RDA (o filme faz por isso). Contudo, é uma produção isenta de emotividade, talvez seja pelas influências do thriller nórdico que contagia exaustivamente as relações emocionais entre personagens, mas a lendária atriz de Persona, ao serviço do cineasta sueco Ingmar Bergman, é protagonista de uma escassas e raras sequências de portento sentimental do filme.

Duas Vidas possui ainda outros fatores, ambíguos na sua interferência à narrativa: os excessos dos flashbacks como artifício preguiçoso para evocar o passado e a opção de George Maas e da co-realizadora Judith Kaufmann de divergirem o passado com o presente através de uma estética obsoleta e de baixa resolução, que por si transfere um sentimento percetivelmente “vintage“. Para o espectador mais interessado, fica a recomendação de espreitar os factos históricos que serviram de base para este thriller, que se deve dizer que se encontra bem longe da engenhosidade e da provocação.

O melhor – A história verídica
O pior – o lado ficcional não é de todo sedutor nem convincente nesta narrativa


Hugo Gomes

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