Sexta-feira, 19 Abril

«Getúlio» por Roni Nunes

A figura política mais importante e enigmática da história do Brasil, Getúlio Vargas, ganha um retrato dos seus últimos dias, onde são recriados os acontecimentos de bastidores que culminaram na sua opção pelo suicídio, em agosto de 1954. Uma vez que o final do enredo é conhecido, coube ao documentarista João Jardim (de Lixo Extraordinário), na sua primeira longa-metragem de ficção, reconstruir de trás para frente os passos que levaram a este desfecho.

Embora comece com uma sequência de ação e contenha, como de resto seria impossível não o ter diante do contexto histórico efervescente da época, algumas sequências a Alan Pakula, a abordagem é claramente intimista. Com um filme todo ele centrado no seu protagonista (vivido por Tony Ramos), Jardim filma de dentro a forma como os violentos acontecimentos externos e os ataques furiosos dos seus opositores afetavam o então presidente.

Neste sentido, a construção visual incide pelos movimentos nos corredores palacianos, nas abordagens ao protagonista de todos os ângulos e enquadramentos possíveis e onde o ex-grande líder acuado é apanhado em olhares perdidos, passos lentos, charutos intermináveis e diálogos pausados.

Estes métodos geram uma reconstrução de eficácia e emoção moderadas (veja-se a intensidade arrepiante alcançada por uma proposta semelhante, A Queda: Hitler e o Fim do Terceiro Reich, de Oliver Hirschbiegel) na tentativa de recriar uma descida constante a caminho da autodestruição, mas onde faltam elementos psicológicos para justificar devidamente a decisão final.

De resto, como não poderia deixar de ser, Getúlio é um filme marcado pelas difíceis opções com os quais o argumentista George Moura (vindo de séries de TV da Rede Globo) tinha de lidar – que implica em numerosas omissões. Assim, um homem que soube comandar um país complexo em momentos complicados, combateu direita e esquerda com igual sucesso e foi dos poucos líderes sul-americanos a enfrentar o poderio norte-americano, aparece retratado como alguém cansado, vacilante e inepto para tomar uma única decisão e reagir quando nenhuma batalha estava perdida.

Está destinado a ficar incompleto a visão de um homem que foi um ditador, acusado pela direita liberal de fascista e pela esquerda revolucionária de populista, mas cuja morte parou o país e levou milhares de pessoas desesperadas às ruas a chorar a perda do “pai dos pobres”. Jardim nunca se propôs a isso, o que não impede o registo de ficar pelo mediano.

O melhor: tem emoção e agilidade suficientes
O pior: as opções difíceis do argumento formam um todo demasiado incompleto


Roni Nunes

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