Quinta-feira, 28 Março

«Frank» por Paulo Portugal

 

Um filme sobre um tipo que usa uma cabeça de cartão e que passa lá 90% do filme? Sim, se a ideia for recuperar a história de Frank Sidebottom. Quem?! Pois é, trata-se de uma figurinha britânica que usava uma cabeça muito semelhante e que teve o seu momento de fama por volta do final dos anos 80.

Bem andou o irlandês Lenny Abrahamson na opção de ir além do biopic e optar por ficcionar a sua história e situá-la nos EUA. Algo que até combina mais com o perfil do autor do muito interessante ensaio sobe a culpa What Richard Did, ele que se prepara para avançar com Room, curiosamente um filme sobre uma outra personagem que vive à margem. E, sim, com Michael Fassbender a ‘esconder-se’ nessa carapaça com a exceção de pouco mais que os escassos minutos finais. Frank é um filme que ganha pela estranheza, mas também que se nos entranha, deixa-nos algo, essa marca alienada daqueles que buscam algo mais que o mainstream.

Temos então um filme sobre um outsider, Frank, que acumula o lado mais desequilibrado com o de uma gritante criatividade musical. Só que o verdadeiro protagonista não é Frank, mas o sonhador inspirado Jon, numa reveladora composição do ruivo Domhnall Gleeson (o Bill Weasley de Harry Potter), claro está, filho do imenso Brendan Gleeson. Ao fim e ao cabo, apenas uma versão mais real do próprio Frank.

Don vive para a música. Ensaia composições com a observação do dia-a-dia e com o sonho de ver o seu sucesso reconhecido pela redes sociais que usa com regularidade. Por isso acaba por se deixar ir quando surge a oportunidade louca de substituir o membro de uma banda desconhecida. É aqui que choca de frente com este ser que vive literalmente dentro de uma máscara. Com ele e com os membros ultra cool da mais singular das bandas experimentais com quem faz um retiro para gravação do um álbum: a multi-instrumental Clara (Maggie Gyllenhaal), a baterista Nana (Carla Azar, que já tocou com Jack White) e o baixista francês Baraque (François Civil). Mas é Frank (ou Fassbender) quem mais brilha, claro. Para além das suas descrições de expressões aos gestos descontrolados à atitudes irrefletidas.

Pena é que no meio de tanta originalidade o filme acabasse por se seduzir pelo poder das visualizações de um qualquer youtube e aceitasse rumar para o Texas e viver o sonho cool do festival SXSW (South By South West). Até porque é aí que a personagem perde parte do crédito granjeado, no carrossel da fama made in USA. Acabará por nos reconquistar com o grande final em que cai a máscara deste ser que vimos a saber sofrer de perturbações mentais ao reencontrar-se com a banda e em que as suas palavras dissonantes acabam por o induzir na composição do inspirado tema final, I Love You All. É o happy ending calhado para todos os outsiders.

O melhor: A alma de Frank quando não tem limites na procura do seu som.
O pior: Quando cede à fama made in USA.


Paulo Portugal

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