Sexta-feira, 29 Março

«The Babadook» (O Senhor Babadook) por Roni Nunes

O cinema de terror frequentemente cruza-se com as relações entre mães e filhos (desde clássicos como A Semente do Mal e O Exorcista até uma vasta gama de imitações, que incluem obras recentes como Annabelle, ainda em cartaz). Coube, no entanto, a uma mulher, a realizadora australiana Jennifer Kent, dar um passo à frente e propor uma abordagem mais ousada do tema.

Amelia (Essie Davis) é uma mulher traumatizada pela morte precoce do marido e, para além de um trabalho num lar de idosos, a missão da sua vida é dedicar-se ao seu cada vez mais problemático filho Samuel (Noah Wiseman). De comportamento agressivo e socialmente isolado, o garoto não consegue dormir devido a frequentes pesadelos. A vida de ambos vai se tornar progressivamente pior depois que entrarem em contacto com um misterioso livro chamado Babadook.

Se novamente surge, nas aparências, o cliché da mãe fragilizada e do filho dominador, esta ganha novos contornos quando o monstro Babadook passa a representar de forma mais nítida os desejos inconfessáveis da mãe. Por outras palavras, Jennifer Kent vai longe no questionamento do “mito do amor materno” e propõe uma relação de amor entrelaçada no ódio – que culmina num absoluto desejo de destruição. Para torna-la credível (para os psicanalistas essa justificação nem seria necessária) o argumento utiliza um artifício engenhoso – a relação direta entre a morte do pai e o nascimento do filho. Essa proposta é certamente muito mais interessante do que a da maioria dos filmes de terror, onde a mãe é uma vítima indefesa e o amor incondicional (muitas vezes misturado com religião) acabar por ser o fator de redenção.

Mas, cinematograficamente, o maior problema de O Senhor Babadook é a sua associação com o género e, quem espera sustos, pode sair dececionado. A criatura aqui é muito menos interessante do aquilo que ela sugere (uma visita ao lado mais negro de cada um), embora não deixe de mostrar a sua figura rastejante em alguns momentos.

Este filme funciona melhor se visto como um drama, como uma viagem para o inconsciente da mãe perturbada, onde as representações puramente visuais não são grandemente inovadoras (insetos a sair da parede, luzes que se apagam etc.) – ainda que também não seja isento de bons momentos de terror.

O MELHOR: é um drama sólido e consistentemente interpretado
O PIOR: em termos de terror puro é menos eficaz, com artifícios já muito usados


Roni Nunes

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