Com o seu penúltimo filme, Alain Resnais, como se presenciasse a sua eventual morte, evoca fantasmas para um último reencontro com a melancolia e a tristeza que forma o teatro. O resultado é um ensaio artístico da interpretação, culminando e dissecando a condição de ator para uma última estância, por vias de um exercício de estilo através de uma reinvenção trágica de “Eurydice“, da autoria de Jean Anouilh.

Um funeral encenado, tão pessoal e fantasmagórico cuja beleza que transborda é por si, inegável. Espíritos eruditos que culminam a arte em prol de uma forma poética de narrativa, cada vez mais fundindo, como peças de serralharia, a veia teatral com a beleza artificial do cinema. É aquele tipo de cinema que deixaria orgulhoso o próprio Manoel de Oliveira de Mon Cas / Meu Caso, segundo este – “quando mais perto o cinema está da realidade, mais longe estão da arte”. Neste caso, a arte é a sua coluna vertebral e o que encontramos aqui não são devaneios egocêntricos, nem a liberdade de expressão direta dos recantos mais obscuros da alma de um artista, mas sim a própria alma, a dedicação e a paixão de um autor que tão bem sabe “fabricar” híbridos e lhes aufere vida.

Vous n’avez Encore Rien Vu (Vocês Ainda Não Viram Nada) é das suas recentes criações experimentalistas, uma obra de exata precisão no seu timbre artificial que por momentos nos faz acreditar no cinema não como uma narrativa ficcional e novelesca, mas como um estimulante da nossa imaginação. É quase como um auto-tributo, Resnais requer a presença dos seus “heróis”, atores verdadeiros a demonstrarem que são atores e não as personagens do momento, a interpretar nas suas próprias peles, ao mesmo tempo que exibem os multifacetados esconderijos intrínsecos (e que belos empenhos se dignificam a mostrar). Poderia ser perfeito esta espreitadela por entre as cortinas vermelhas, mas o final deixa quase tudo a perder, dando um sentido àquele artificialismo que havia concretizado desde então.

Exceto isso, temos uma bela melodia sobre a morte, o legado e o esquecimento, o cinema e o teatro de mãos dadas para mais uma vez sobressair das suas amarras, da narrativa convencional e desafiar, não a mente, mas a sensibilidade do seu espectador. Ouçam o canto dos defuntos. Que bela melodia fazem!

Pontuação Geral
Alain Resnais
vous-n-avez-encore-rien-vu-voces-ainda-nao-viram-nadaO meu adeus a um dos grandes do Cinema