Sexta-feira, 26 Abril

«Miel de Naranjas» (Doce Amargo Amor) por Hugo Gomes

 

Ao contrário de Portugal, cujo regime salazarista foi rompido por uma intervenção militar na sua célebre data, o 25 de Abril, em Espanha a sua ditadura desvaneceu-se como uma névoa na respetiva sociedade. E isso nota-se na diferença e na liberdade com que ambos abordam o correspondente tema no cinema. Enquanto em Portugal o 25 de Abril já não é tabu, cada vez mais invocado em termos cinematográficos e fincado como um exemplo a seguir, no país dos “nuestros hermanos” a situação é bastante diversa. O regime de Franco é ainda um fantasma amaldiçoado, ignorado e temido. Contudo, recentemente tem-se despertado um certo interesse em abordar tais “espíritos malignos”, tal como acontecera com o conflito basco, integrando-o em comédias de êxito (imaginem só). Talvez seja devido a essa nova liberalidadel que a ditadura espanhola tem sido a ordem do dia nalgumas grandes produções nacionais.

Quanto à esta coprodução portuguesa, Miel de Naranjas (com o titulo ridículo e equivocado por cá de Doce Amargo Amor) é talvez um dos filmes mais corajosos a abordar esse facto histórico, sem que isso diga muito em termos de ousadia de produção. No seio da sua intriga somos remetidos a um soldado, Enrique (Iban Garate), que opera no tribunal militar na região de Andaluzia, que tem sido o palco central da condenação de muitos dos que se opõem ao regime de época. Questionado constantemente pela veracidade dos seus atos, também abalado por um sentimento de cumplicidade, Enrique decide integrar as forças opositoras, os ativistas comunistas (como os seus camaradas e oficiais apelidam), num perigoso jogo de vida dupla onde o seu datilógrafo se torna no único elo destes dois mundos. A ferramenta perfeita tanto para condenar quanto para agir.

Infelizmente em Miel de Naranjas somos induzidos a uma produção profissionalmente bem concretizada, mas sem a irreverência necessária que o poderia afastar inteiramente do registo de telefilme. Eis uma obra isente de uma verdadeira construção de personagens, todos eles demonstrando, nada mais, nada menos, que figuras factuais e historicamente estereotipadas, sem recursos à essência dos atores que os interpretam. Sem grandes dúvidas, ficamos com um importante filme teórico que exibe a sua relevância histórica na cinematografia espanhola por ser uma das muitas obras a orquestrar sem medos tal tema. Mas, infelizmente, sem atributos suficientes para ser considerado um grande e importante filme espanhol – limitando-se a romantizar uma época como o cinema cinicamente faz como arma de proteção.

O melhor – A temática histórica do filme
O pior – mesmo assim, nada de irreverente ou precioso em termos cinematográficos

 


Hugo Gomes

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