Sexta-feira, 29 Março

«I Love Kuduro» por Hugo Gomes

Os irmãos portugueses, Mário e Pedro Patrocínio, desmistificaram uma das favelas mais infames no Rio de Janeiro no seu ensaio documental de 2010, Complexo: Universo Paralelo, através de uma representação do seu respectivo quotidiano, sem receios nem mediatismos sociais. Passados três anos, a dupla embarca agora noutra aventura documental, desta vez em um país bem diferente, Angola.

Os irmãos decidem assim abordar as diversas questões sociais e algumas politicas do país em questão, mas a temática é por vias de “batuques”. Como a certa altura alguém afirma, tudo se resume a uma questão de barulhos. Pois bem, eis um documentário sobre um dos estilos musicais mais proeminentes de Angola, agora numa verdadeira digressão pelo Mundo, o Kuduro. Música para alguns, barulho para outros, a verdade é que por via dessa manifestação artística, os irmãos Patrocínio incutem em I Love Kuduro um olhar sempre atento aos conflitos inerentes de um país devastado pela Guerra e acentuado pela gradual diferença entre classes.

No seio de uma colectânea de testemunhos de diversos artistas do estilo musical, apercebemos esse olhar clínico e critico dos envolvidos, a não consensualidade entre os depoimentos das ditas “celebridades”, onde o espectador irá, por exemplo, notar um certo choque entre o clássico e o moderno, reafirmado pelos dançarinos da Velha Guarda do Kuduro, que proclamam retratar um país em fase de reconstrução, ou a desmistificação do próprio mito em redor desta música angolana – é que afinal o Kuduro nasceu entre a burguesia e não no gueto como muitos crêem.

Visualmente requintado, I Love Kuduro manifesta os seus propósitos mais evidentes: ser um documentário exclusivo para adeptos e aficionados do ritmo, mesmo acabando por se tornar algo mais que isso. Contudo, esse ponto é por vezes prejudicado pelo primeiro objetivo, pois realmente sentimos que existe mais para além da música em si e temos a necessidade de fugir às extravagâncias dos artistas, como também explorar a razão para o culminar de tais “batuques”.

Até certo ponto I Love Kuduro é restringido ao seu horizonte comercial? Os Patrocínio tentam contorná-lo incentivando o debate e “caçando fadas”, mas infelizmente os temas são tocados de forma leve e pouco provocante. Na verdade, não perderiam nada se fossem devidamente explorados (como é o caso do Kuduro como hino de libertação dos homossexuais angolanos, segundo Titica, a primeira estrela nacional transexual). No final, fica assim um documentário para adeptos e não só!

O melhor – a abordagem mais extensa por parte da pesquisa dos irmãos Patrocínio
O pior – ser julgado em praça pública como mera propaganda do estilo musical Kuduro


Hugo Gomes

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