Sexta-feira, 19 Abril

«Jersey Boys» por Hugo Gomes

No rescaldo do sucesso de Elvis e anos antes da febre dos The Beatles, The Four Seasons era a banda do momento. Os seus singles ainda hoje perduram como sucessos, grande parte destes, como Can’t Take my Eyes off you, continuam a ser utilizados até à exaustão em filmes e anúncios de TV. Composto por quatro membros, todos eles dotados de divergentes tons vocais, os The Four Seasons tinham como vocalista principal Frankie Valli, cuja voz angelical derreteu corações e o conduziu para o top de melhores artistas musicais norte americanos. Ainda hoje a banda está no ativo e, apesar de vários anos no palco e sucessos, só em 1990 é que ingressou na “Hall of Fame” do rock ‘n’ roll. O legado de sucesso dos The Four Seasons originou livros e até mesmo peças da Broadway, duas vertentes que serviram de inspiração para Clint Eastwood para, por fim, dar ao cinema uma biografia que a banda já merecia.

Vamos ser claros. Dentro do modelo de biopic musical, Jersey Boys dá um passo em frente ao conseguir consolidar a sua veia melódica com a esquematização narrativa e, neste último ponto, concentrar se em atribuir ao filme personagens interessantes e estáveis ao seu desenvolvimento. Tal como o realizador proferiu em diversas entrevistas, Jersey Boys não foi concebido para ser mais um musical. Ao invés, Eastwood preferiu apelidar a sua obra de um “filme com música“.

O elemento musical está presente e participa na narrativa, mas as personagens encaram esses momentos como parte do seu quotidiano, longe da alienação de, por exemplo, alguns musicais dos anos 50, onde as personagens num ápice desatavam a cantar. Assim sendo, Jersey Boys funciona como uma das matérias primas do qual foi adaptada: o musical da Broadway (baseado na peça de Marshall Brickman e de Rick Elice, que também contribuíram para o argumento). Ao mesmo tempo, Clint Eastwood contorna a tendência de transcrever um espetáculo na sua integra para o grande ecrã e a metamorfoseia numa obra de teor classicista e sob rigor cénico e técnico.

Podemos dizer que Jersey Boys não prejudica de forma alguma a saúde do espectador. Aliás, nesse aspeto, o divertimento é um convite quase irrecusável, aludido um pouco à mítica frase de O Padrinho, visto encontrarmos certas influências do chamado “mob movie“, nesta história de ascensão e impasses na carreira dos The Four Seasons.

Eastwood esmera-se naquele que possivelmente será o seu melhor filme desde Gran Torino, evidenciando um trabalho exemplar na reconstituição de época e no desenvolvimento das suas personagens (um dos casos mais notórios é o de Frankie Valli, interpretado por John Lloyd Young), ao mesmo tempo que se revela num exímio diretor de atores. As interpretações são impagáveis (Vincent Piazza funciona tão bem como dispositivo cómico da fita, como catalisador da ênfase dramática) e a química realmente existe no grupo fictício da metragem.

Jersey Boys ainda nos mina com referências lúdicas do mundo da música e do cinema, em particular a entrada de Joe Pesci (o célebre ator de Tudo Bons Rapazes) como uma figura quase caricatural. O único senão é o tratamento demasiado leviano das personagens femininas, promissoras, mas longe de fugir da sua função de meros marcos narrativos. Mas nada disto é realmente ameaçador ao entretenimento que este Jersey Boys consegue implementar.

Arrisco mesmo em afirmar que este é uma das melhores cinebiografia musicais dos últimos anos. Sim, arrisco.

O melhor – O desenvolvimento das personagens e da narrativa classicista
O pior – o tratamento das personagens femininas, o medo do espectador em relação de musicais.


Hugo Gomes

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