Sábado, 20 Abril

«Grisgris» por João Miranda

 

É sempre com prazer que vemos estrear nas nossas salas filmes que não venham dessa grande fábrica do outro lado do atlântico. Num mercado constantemente dominado pelos EUA (como se pode ver no site do ICA, cerca de 40% dos filmes estreados são desse país, mais de 50% se contarmos com as coproduções), felizmente ainda controlado por acordos internacionais (que estão agora a ser postos em causa com novas negociações), é sempre revigorante ver realidades e cores diferentes no ecrã. Neste caso, Grisgris é uma coprodução franco-chadiana, realizado por um realizador que nasceu no Chade, mas já vive em França há muitos anos, e um protagonista do Burkina Faso.

Segundo o realizador Mahamat Saleh Haroun (que ganhou em 2010 o Prémio do Júri em Cannes com o seu “Un homme qui crie“) numa entrevista ao Le Monde, tudo começou com a ideia de apresentar a realidade dos traficantes de gasolina que arriscam a vida a nado no rio entre o Chade e os Camarões, mas depois de conhecer Souleymane Démé, bailarino e ator do Burkina Faso, a ideia foi gravitando à volta deste.

Grisgris conta a história de um dançarino com uma perna paralisada (o ator teve um ataque de paludismo aos oito e no hospital deram-lhe uma injecão no nervo que fez com que a perna não se desenvolvesse mais e ficasse paralisada) que ajuda os pais durante o dia e dança em clubes à noite. Quando o seu padrasto vai para o hospital e a conta se revela demasiado alta para as poucas posses que tem, Grisgris envolve-se com esses traficantes.

É uma história muito pouco original a de Grisgris: o rapaz bem intencionado que se envolve com criminosos e não sabe como lidar com as consequências, a prostituta com coração de ouro por quem se apaixona e a imoralidade da vida da cidade por oposição à do campo. A força de Grisgris está sempre em segundo plano: o cliente branco que faz turismo sexual em África e a exotização da mulher africana (Mimi, a prostituta, tem de usar uma peruca afro para esconder o seu cabelo liso), a pobreza que rodeia as personagens e que as obriga a agirem de uma forma desesperada ou os traficantes que se arriscam para o tráfico de recursos essenciais. Se analisarmos os elementos com algum cuidado vemos se trata de um filme profundamente conservador e pouco original: se o retrato que se vê no fundo pode ser realista, os valores que fazem parte do primeiro plano são os proferidos continuamente por movimentos conservadores (e até de extrema-direita).

Acaba por ser um filme mais bem intencionado do que bom, e tem sido essa a recepção que tem recebido no circuito dos festivais. Mais uma oportunidade desperdiçada de trazer o cinema africano aos nossos ecrãs.

O Melhor: A dança, as texturas e cores, os elementos de fundo.
O Pior: Os clichés todos que constituem a história.


João Miranda

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